quarta-feira, 20 de maio de 2009

Conto: A Tempestade

Primeiro Fato: Guerreiros de Kamel enfrentavam os Paladinos dos Andes.

Enquanto espadas e lanças tingiam a terra de vermelho, ambos os exércitos viam que todo o desfecho se resumiria aos braços da morte. Humanos caiam no chão como reflexos dementes das flechas que os atingiam. Nem coragem e nem bravura se valiam entre aqueles guerreiros; Soldados negando a grandeza de viver pelos ideais de um rei covarde. Ainda que não restasse sangue para encher a ganância de seus líderes, ainda assim havia esperança entre eles. Havia a esperança de que algo surreal acontecesse e mudasse milhares de destinos para sempre.


 Segundo Fato: Guerreiros de Kamel sabiam o futuro.

Kamel#0253 era um dos arqueiros mais destemido de muitas eras, e ao se julgar pelo desfalque em sua aljava, ele havia matado muitos inimigos. Inimigos que, assim como ele, também eram os mesmos humanos tementes a Deus numa busca desordenada pela sobrevivência. Kamel#0253 também ouvira o último discurso ante toda aquela batalha começar, e sabia que todos os acontecimentos caminhavam como fora previsto. As previsões da vitória dadas pelo Mago Alöen justificaram toda aquela batalha de uma forma simples e animadora. Ele disse:

"A tempestade virá, e ainda que passageira, causará estragos. Seus danos marcarão eras, separarão o amor e o ódio em uma linha tênue. Desejarão a paz e os inimigos recusarão. Desejarão a morte, e tudo mudará. A tempestade passará rápido, porque chegará o momento em que todos precisavam; E finalmente, de trás das montanhas subirá um pássaro julgado pelas descrenças, que com suas asas de fogo adormecerá o inimigo e trará a paz". Milhares de homens acreditaram, como sempre acreditam em Alöen, pois do contrário, nem mais estariam lutando.

Infelizmente, o céu daquela tarde agitada não dava o mínimo sinal de chuva, e quem dera sinal de uma tempestade. Talvez o fim do outono fosse propício a tais tempestades inesperadas, mas certamente não seria o caso ali. Cada guerreiro ao lado de Kamel que morria, levava consigo a esperança da tempestade, e deixava para os outros o medo da dura realidade.


Terceiro Fato: Os verdadeiros profetas usam jóias.

Os Paladinos dos Andes eram rebeldes, mas de maneira alguma incontactáveis. Formaram fortes alianças com povoados próximos, garantindo inclusive apoios estratégicos em guerras e crises estruturais. Foi por isso que na semana anterior receberam a visita dos três reis do norte.

Cada rei concordou em uma ajuda para a defesa ante o massacre anunciado, de modo que suas doações destruíssem qualquer chance de uma derrota inesperada. "Enviarei meus melhores cavaleiros para seu comando, que chegarão às suas terras ainda amanhã.", disse o primeiro rei. "Aguarde todas as lâminas produzidas nós nas mãos de seus homens a no máximo daqui a três dias.", disse o segundo rei. "E de mim, você terá a artilharia mortal de todos os séculos. Catapultas e canhões deslizarão ao seu lado no dia da Grande Batalha", finalizou o terceiro rei. E como uma profecia que se cumpre, tudo seguiu como planejado. Agora, mesmo diante do combate violento ainda havia o último trunfo secreto pronto para erguer a bandeira de vitória. A Carta escondida na manga dos Paladinos dos Andes daria em breve seu despertar memorável.

 


Quarto Fato: Todos crêem em algo

Ao alto labor da batalha, ouve um único instante que pareceu colocar em choque tudo o que acreditavam. Ouviram um forte estalo nos céus, que mesmo sem brilho, para metade dos combatentes indicava um raio anunciando a chuva. Para outra metade, indicava a aliança dos Andes marchando para a guerra com seus canhões mortais. Qualquer coisa poderia surgir por de trás das colinas, e seja ela um pássaro gigante ou o poderio final dos Andes, somente isso seria o suficiente para dar em fim o desfecho do dia.

Os novos ânimos foram renovados de qualquer forma, fazendo que pairasse uma segunda era de vigor entre todos. Flechas continuaram a ser disparadas, escudos quebrados e gritos ecoados; Tudo se misturava em uma receita macabra sem definição de vencedor.


Quinto Fato: A Tempestade

Cruzaram suas crenças, e sorriram ao compreender o íntimo daquela verdade; Presos em metáforas atemporais, a tempestade em que já estavam sem perceber certamente chegaria ao fim, porque é da ordem dos sábios que o mundo acaba em todas as profecias. Porque esse é o final de tudo, mesmo quando há excesso ou falta de esperança. Assim os Guerreiros de Kamel descobriram, tão atônitos quanto os Paladinos dos Andes, que de trás das colinas a única coisa que precipitou foi um homem com uma corneta na mão.


Da visão daquele homem, tudo o que seus olhos viram pareceu uma piada; Quase trezentos homens de cada lado cansados e amedrontados com o que já estavam vivenciado. Mas tudo se confirmou com clareza total: O homem tocou sua corneta em mãos, e depois disso um novo estalo cortou o ar;  Atrás de si milhares de homens empunhando catapultas e canhões emergiram, e poucas bombas foram necessárias para que tudo terminasse. O homem que erguia a corneta era um rei tão ganancioso quanto outros de sua era, que fez muito mais do que levar a vitória para si: Com os exércitos em desfalque, ainda haviam muitas bombas a serem usadas, mas desta vez o alvo não seria mais páreo: Confrontaria a pequena resistência que por ventura poderia surgir quando tanto Kamel quando Andes lutassem em proteger seus reinos de uma conquista cruel.

Aqueles danos marcarão eras, farão com que civis se vejam a amar seus inimigos para não morrerem perante o castigo da nova ditadura. Ainda assim, a resistência acabará, e a escravidão será vista como pena. A pena os salvará e os condenará para sempre. Esse é o momento que todos esperavam; Por trás das montanhas sempre surge um novo sol, que como um pássaro ou uma multidão julgada pelas descrenças, aquece e brilha incansavelmente para todos que não caíram após aquele dia tempestuoso.


** FIM **