quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Vida Circular

Lembro-me de um dia qualquer, onde sentado com alguns amigos, ouço uma reflexão que até aquele momento só tinha aplicado a coisas pontuais como a chuva, nascimentos e supernovas. Mas por algum motivo estranho, embora eu soubesse de tantos pequenos ciclos envolvendo a vida que nos cerca, acredito que nunca parei para pensar que esse mesmo ciclo pode atingir qualquer camada e circunstância que queira aplicar.

Basta checar o noticiário para ver que todas as notícias tem uma cara nova envolvendo a realidade atual, mas que na verdade, já ocorreram outras vezes em realidades anteriores. Não é a mesma notícia, é claro, mas pense apenas na camada dos fatos aplicados, com um pouco mais de abstração do que estiver lendo. Certamente verá naqueles fatos sem lapidação alguma um tipo de realidade alternativa de alguma coisa que já foi transcendida no passado. E entre cada uma dessas diferentes realidades, tudo o que uniu aquelas notícias foram dois fatores: tempo e ciclo.

O tempo é a parte mais óbvia. Basta ficarmos de braços cruzados ou correr uma maratona que ele continuará lá, inexoravelmente. Dá pra ver fotos e ler anotações antigas, ou angustiar-se com o peso do futuro que não conhece. Mas o tempo não se importa com isso, ele não deixa você fugir dele em momento algum. O tempo não se importa com sua vida, porque ele simplesmente é a carcaça onde todas as realidades coexistem. Ou para não parecer pejorativo, vou trocar o termo “carcaça” e dizer que ele é uma caixa onde tudo está dentro dessa caixa.

Em qualquer momento você pode se perguntar do que é feita a realidade, de onde vive, o que come e como se reproduz. Sendo o repórter que investiga e traz essas respostas, só posso falar por mim nesse momento. Esse é um blog de desilusões, então é claro que o ponto de vista nenhum pouco parcial de quem escreve entende que a versão deturpada da realidade é feita de decepções, vive dentro do peito, medindo um tamanho grande o suficiente para te deixar sem ar, sem fome e angustiado. A realidade se alimenta da sua alma, pois do contrário, qual outra explicação teria para nenhum alimento mais me saciar? Daí, com aquilo crescente em seu âmago, multiplica cada vez mais, e assim essa mesma realidade se reproduz.

Agora, para não me estender demais, vou fechar o assunto que comecei, dizendo que todas as camadas e circunstâncias que quiser aplicar é feita pelo fator tempo e pelo ciclo. Se o tempo é como se fosse uma caixa que aprisiona a tudo e a todos, então dentro dela é despejada água, onde cada molécula da água contém uma realidade diferente.

Um fluxo de água que irá chegar no fundo da caixa algum dia, mas antes de findar sua existência, estará em um belo passeio ao redor de muitas outras moléculas, cada qual sendo você em toda sua realidade, e podendo com isso navegar, interagir, acelerar ou frear dentro do limite que aquele fluxo de água sendo despejado permite.



Sabe o que acontece quando a água bate no fundo da caixa? Ela não tem para onde ir e reverbera entre todos os cantos. Quase nenhuma molécula ali percebe que por algum motivo estranho está apenas rodando em círculos, porque ninguém percebeu o óbvio dessa caixa. Ela não é feita para comportar um fluxo infinito de água, e por isso, tal como uma pia imunda da cozinha, possui um furo, que pela sabedoria popular costuma se chamar de "ralo", e dai os termos de que a vida de alguém foi para o ralo já fecham bem essa anedota.

Mas não quero perder o foco agora: Apenas imagine por um segundo a realidade (cada molécula desse fluxo de água) dando voltas logo após chegar no fundo nessa caixa, que somente agora você sabe que possui um furo onde todos irão inevitavelmente cair um dia; sem saber da existência do ralo, você passaria horas e horas girando ao que na ignorância de sua visão de mundo é infinito, mas no big picture, é apenas um ciclo.

Eu acho que disse que cada molécula pode ter seu próprio ritmo, não? Algumas mais lentas e outras mais rápidas, algumas inclusive aparecem de mãos dadas e outras se desfazem no meio do caminho. Algumas se cruzam, e outras nunca mais. Tudo isso é a realidade, e todas as realidades coexistem em um mesmo ciclo que orbita o mesmo ralo.

No mais, sinto que mais um ciclo se fecha para mim. E com ele, talvez a vã esperança de que um novo se abra. Bem vindo de volta, após tantos anos, meu blog das desilusões e dos tempos em que era abraçado apenas com minha maldita fobia social.