domingo, 24 de julho de 2011

Dança de Salão? Eu não! [4]

E aqui está o post mais repetido nesse blog. Ou é porque as coisas envolvendo aulas de dança são interessantes, ou porque não tenho mais nada de bom para falar sobre qualquer assunto. Pois é, eu também fico com a segunda opção. Você pode acompanhar essa saga interminável vendo a parte 1, a parte 2 e a parte 3 e tirar sua própria conclusão.

Segue apenas um relato sobre como é possível um curso acabar em razão de uma única pessoa. Uma pessoa capaz de manipular a direção das aulas e criar um marco memorável que define a história antes e depois disso. Mas calma, dessa vez, essa pessoa incrível não foi eu. Pelo menos não diretamente.


Vergonha Alheia


Com toda a tranquilidade do mundo, as aulas iam bem. Parecia tudo mais organizado, e eu estava começando a compreender como os instrumentos de qualquer música ditam um padrão rítmico a ser dançado. Naquela ocasião, as aulas haviam se divido entre Samba de Gafieira e Bolero, e eu já era capaz de sentir a diferença absurda que até então, para mim era apenas gramatical. Sério. Tá bom, um pouco de exagero talvez, ou não.

A programação das aulas costumava sempre seguir um mesmo método: começava relembrando e praticando os passos isoladamente, e depois de um bom tempo, a execução prática daquilo era com uma parceira aleatória a cada música. Se durante essa prática o professor visse qualquer defeito, ele ia até lá e corrigia os erros. Até aqui nenhuma novidade. Mas certas vezes, o erro que ele via era algo tão comum que a solução era chamar a atenção de todos para apontar e tentar corrigir tal erro em público.

E esse professor precisava simular e aumentar o erro que via para que todos entendessem aquilo com clareza. Aí ele escolhia um (geralmente uma) para Cristo. Dança aqui, tropeça lá e passa algum constrangimento acolá. Sempre foi assim, até que um dia o constrangimento cedeu seu limite. Alguma aluna sentiu toda a frustração de ser escolhida para Cristo naquele dia, e, respirando fundo, disse em tom de voz baixo:

_Ele tira a gente para dançar ou para humilhar?

Sabe aqueles pensamentos altos? Foi algo assim. Só que mais alguém ouviu isso e interpretou pelo modo mais frio da frase. Então, a aula parou subitamente. O rádio foi desligado, e quando a música cessou, a tensão cresceu; no instante seguinte eu via a cena daquele professor em uma discussão feroz ao sentir que aquilo que escutou foi pessoal.

Momento Inóspito


Existem pessoas que parecem sempre estar do mesmo jeito, com o mesmo tipo de humor estático e ideias unilaterais. Ou seja, não importa se o dia está sendo bom o ruim, simplesmente porque aquilo não causa a menor diferença. Pode ganhar na loteria ou ver a própria casa explodir; o estado psíquico ainda continua à demonstrar a mesma coisa.

Certamente meu professor era bem o oposto disso, mesmo quando dizia que não era. Todos os alunos daquela turma de dança conseguiam saber se o dia do professor fora bom ou ruim, simplesmente porque suas atitudes eram mais fortes do que suas palavras. E no dia em que ele resolveu discutir com aquela aluna, era um desses dias em que tivera a casa explodida minutos antes. A ira de suas palavras, a entonação autoritária e ao mesmo tempo ríspida e ignorante estava clara. Durante um tempo eu ouvi um blá-blá-blá onde ele explicava a diferença entre humilhar alguém e simplesmente ensinar.

Até esse momento, o clima tenso ainda não havia chegado. Até porque, já perdi a conta de quantas vezes ele já parou a aula para iniciar uma discussão como aquela. Já tivera vezes de escutar um comentário avulso de alguém que reclamava da música e daí então explodir. Já explodiu porque viu uma cidadã querendo dançar de salto alto; já explodiu porque um cara não estava acertando determinada sequência de passos. Ou seja, ele explodia com tanta facilidade que aquela discussão não era anormal.

Falando assim pode até dar a impressão de que as aulas eram torturantes ou perigosas, mas felizmente ocorriam mais como exceções do que como regra. E quando ocorria, a receita era apenas aguardar aquele momento passar e voltar a ser normal novamente. A receita sempre funcionava. Até que naquele dia ocorreu uma falha básica do comportamento humano, que é quando se quer provar que sua ira é maior do que a ira de outrem.

Se uma pessoa está com raiva e a outra não se deixa mudar de estado mental, então uma briga nunca ocorre. A raiva geralmente tende a ser passageira e consertada pelo passar do tempo, e por isso, enquanto uma pessoa estiver em ira e a outra não, a paz certamente tem mais chances de perdurar. O problema é quando esse detalhe fica de lado, e sua consciência dá lugar para o seu lado primitivo e instintivo agir.

Em qualquer confronto, a base inicial de ambos os lados é sempre ganhar, e nunca ficar num empate ou perder. Por isso, se um lado do confronto não cede, então o outro precisa fazê-lo para que as coisas acabem o mais rápido possível. Graças à essa mecânica social das discussões, eu já vi, em uma outra aula, uma aluna sair da sala chorando por ter sentido-se humilhada também. E não tão diferente disso, também me fez lembrar de algo parecido na época da Faculdade, só que com uma pequena reversão de cena: Um professor saiu chorando flamejando porque aparentemente não conseguia provar a importância de suas aulas. Agora isso sem voltar um pouco mais atrás e relembrar as diversas vezes no colégio em que também ocorria essa rivalidade extrema entre professores e alunos.

Vou considerar que isso é absolutamente normal [ironia?] e apenas finalizar esse post dizendo como tudo terminou, pelo menos naquele dia.

O Dialógo


Como qualquer discussão que se preze, o tom de voz elevado faz parecer que aquele que falar mais alto e por mais tempo está mais certo do que o outro. E nesse ponto, meu professor tinha toda vantagem daquele momento sobre si, pois falar e ser autoritário era natural em si. E então, por diversas vezes, durante alguma ofensa argumentação e outra, via-se a aluna tentando encontrar uma brecha de tempo para falar. Obviamente ela não iria conseguir, simplesmente porque as sentenças eram atropeladas em meio à frases aparentemente desconexas.

_Posso falar? - tentava ela durante um segundo que levava para o professor engolir sua saliva ou respirar. "Vai deixar eu falar agora?", "Posso?", "Já?". E durante vários minutos isso foi tudo que ela conseguiu dizer. E por continuar em silêncio, ela parecia ligeiramente em desvantagem, mesmo quando todos estavam em desvantagem, pois aquele tempo perdido seria melhor aproveitado se estivesse sendo usado para o propósito da aula que era a dança.

Entre todos os alunos perplexos olhando a cena, houve um ou outro que tentou falar alguma coisa, mas foi repreendido sem ao menos completar uma palavra inteira. Mas daí o momento inóspito pareceu convergir para um desfecho, que foi acompanho de duas ações ainda mais bizarras do que tudo isso:

_Então vai, fala o que você quer falar! - rugiu o professor, que logo em seguida saiu da sala. Claramente a aluna não sabia o que fazer diante daquela situação, pois ela realmente queria falar algo, mas era para o professor, e não para o resto da turma. O silêncio constrangedor e a situação se tornaram humilhantes naquele momento. E sem opções, ela foi obrigada a falar para quem estava tão perplexo quanto ela.

_Er... Então, né? - começou seu rápido discurso - "Eu acho que não é certo ele querer ficar apontando nossos erros para todo mundo... Ele deveria ensinar individualmente... Ah, quer saber, pra mim faltou psicologia. Ele não tem psicologia."

Sem dúvidas, foi o contexto mais estranho que eu encontrei para o uso da psicologia naquela ocasião, mas pouco importava, porque antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, o professor retornou para a sala. E a discussão recomeçou em um modo mais agressivo:

_Não me venha falar de psicologia! - começou o professor, com a ira que saltava de seus olhos e se perdiam no vácuo. "Se você não está contente com minha aula, então pode se retirar agora!"

Ela não estava preparada para ceder, e por isso, recusou prontamente a sair. Se fosse em uma ocasião diferente, imagino que ela iria ter saído, mesmo antes de uma segunda ordem mais imperativa exigindo que se retirasse. E essa decisão firme certamente fez com que o professor não soubesse ao certo o que fazer, pois ele não queria se dar por vencido e nem ficar naquele mesmo ambiente com ela. Para resumir, houve um momento que eu vi atravessar nele a vontade de bater nela. Aquele momento iria ter um final inexplicável se ele desse vazão a seu desejo primitivo, pois ele quase o fez. Sim, ele iria fazer isso, como confessou dias depois que o fatídico dia passou.

Ao invés disso, tudo o que se resumiu nos segundos seguintes foi a música ser ligada e ter o volume subitamente aumentado para impossibilitar que a aluna continuasse discutindo. Ninguém mais saiu da sala, e tão pouco conseguiram ter coragem para falar alguma coisa depois disso. O clima ficou tenso até o fim daquele dia, que certamente fez eu perceber como todos (incluindo eu) sabiam perfeitamente dançar e ouvir uma música animada fingindo que não tinham nenhuma opinião à respeito daquele fato. Dancem macacos, dancem.

Psicologia


E quem dera o dia tivesse terminado naquele evento. No final da aula, uma parte da ira tinha ido embora, e parte da calmaria estava aparentemente voltando ao normal. Sabendo que alguma coisa precisava ser dita e concluída, o professor resolveu terminar tudo um pouco mais cedo, e em sua redenção, pediu que todos formassem um círculo e dessem as mãos. Esse ritual, que já tinha ocorrido em certas ocasiões, geralmente servia para que ele ficasse no centro desse círculo e filosofasse alguma coisa positiva para todos, como incentivando-nos a ter auto-estima, enfrentar os medos e essas coisas.

Naquele dia, porém, tudo o que quis fazer foi iniciar um novo discurso, mas dessa vez pedindo desculpas e reconhecendo que não deveria ter agido daquela forma. Houve um pequeno conto com algumas metáforas sobre a vida, e depois disso, a aula finalmente tinha acabado aparentemente bem. A aluna disse que estava tudo bem agora e assim ficou encerrado. O final clichê contou até com um abraço dos dois e uma salva de palmas (não necessariamente nessa ordem).

Seria um ledo engano se tudo isso terminasse aí, pois se terminasse, onde que entraria o título desse blog a fazer jus a desilusão do momento? Pois bem, é exatamente aí que eu entro nessa história, depois desse final. Eu já estava andando pela rua pensando refletindo como é raro eu presenciar esse tipo de coisa no dia-a-dia, e já estava vagando com alguma lembrança sombria quando escuto um "Ei, espere! Também vou para esse lado."

Só não vou dizer que aquilo era anormal porque parte da rua que eu percorro realmente é um caminho comum para outros alunos, embora eu sempre estivesse ao lado da minha própria sombra na maioria das vezes. Começamos alguma conversa qualquer sem importância, provavelmente fazendo aquelas notações óbvias do tipo: "ah, você vai por esse caminho!" ou "puxa, hoje fez mais frio que ontem". E logo depois, chegou um momento que a conversa chegou no ponto chave: "E então, o que você achou de tudo aquilo que aconteceu?"

Eu consigo ser tão ingênuo que, mesmo dentro de um contexto óbvio, eu não sabia o que responder. Ela queria saber minha opinião sobre a atitude dela de não sair da aula quando o professor impôs? Queria um [pré]julgamento meu sobre o que a maioria poderia ter pensado? Queria que eu falasse "foi um momento lamentável"?. Como essa notável insapiência, minhas respostas imbecis rápidas foram apenas tentar constatar o óbvio, dizendo alguma coisa do tipo:

_Nem se preocupe com isso, pois na hora pode ter sido um momento muito desagradável, mas no final até que parecia ter voltado ao normal. Certamente, na próxima aula já estará tudo bem, já que para mim foi apenas um acontecimento que já passou. Não se preocupe com isso não.

Tudo o que ela queria era apenas uma visão de um espectador para então refletir sobre aquilo com mais calma, e certamente não foi isso o que eu consegui dizer com meus engasgos e gagueiras. E como ela não estava satisfeita com minha psicologia tosca, resolveu fazer uma pergunta mais precisa, que apenas provava o quanto meu micro-discurso foi tolo.

"Você acha que eu devo voltar a frequentar as aulas?"

Vou deixar em aberto qual foi minha resposta final naquela ocasião, simplesmente porque, eu tenho dúvidas se realmente era necessário responder. Mas, independente disso, sabe aquela máxima da Teoria do Caos, que diz: "Uma borboleta que bate as asas em Tóquio poderá causar um tufão em Londres"? Foi isso que eu observei enquanto termino de escrever esse post. Um evento aleatório em um dia, e a história termina com uma reviravolta. Finalmente chegou a hora em que esses posts sobre Dança de Salão acabam definitivamente. Ou não.

Você pode aproveitar que finalmente essa saga tem grandes chances de terminar e ver como tudo chegou até aqui pelos links abaixo:

Dança de Salão! Oh, não! [1]
Dança de Salão? Oh, não! [2]
Dança de Salão. Ou não. [3]

Caso você acredite ter pedido seu tempo aqui, ainda assim peço que tenha calma. Mesmo se ficar com raiva porque essa história não está completa, tente permanecer calmo, pois logo passa. E se não passar, relembre o título desse blog e sorria.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

A Enrolação das Indiretas

 
Vamos supor que lhe convidam para uma festa que você não quer ir. Em muitos casos, você pode resolver isso apenas dizendo que não quer ir, ou ir apenas por convenção social. Ou então, para não parecer desagradável a quem lhe fez o convite, você tenta inventar desculpas e métodos questionáveis de enganar tal pessoa para satisfazer a si próprio. Quando o caso contrário ocorre, ou seja, você está querendo ser convidado para uma festa, mas aparentemente foi "esquecido", então utiliza-se o recurso das indiretas para tentar receber o convite sem correr o risco de ser desagradável em recebê-lo de mal agrado.


Pois bem, comparando assim, acho que não existem muitas diferenças entre enrolar para não ir, e criar indiretas para ir. E o meu ponto é: até onde é justo e saudável utilizar esses recursos baixos de enganação para alcançar um objetivo pessoal comum?

As indiretas são como uma faca de dois gumes, onde os dois lados são afiados e geralmente servem para cortar seus dois pulsos ao mesmo tempo. Isso porque a partir do momento que você diz algo indiretamente, parte-se do pressuposto que você não tem condições coragem para dizer aquilo, ou aquilo não deveria ser dito diretamente.

Sem contar com o fato de que uma indireta é como uma pedra jogada no mar; as chances de você capturá-la com uma isca depois são quase nulas. Jamais haverá como saber se a sua indireta foi compreendida, e se foi, será que então foi ignorada? Ou talvez responder uma indireta é como vestir um capuz que realmente é seu, para depois ouvir que não era e, morrer na dúvida se seria.

Então, como é muito claro, toda indireta só traz mais problemas do que soluções. Mas mesmo assim, se tudo o que eu disse pode soar tão comum, porque mesmo assim muitos preferem usar a expressão por meio de indiretas para se comunicar? Será que existe alguma justificativa simples para tudo isso?

Transcrição Manual


Não podemos ler pensamentos (ainda), mas instintivamente nossa mente processa os pequenos sinais e micro-gestos vindos de uma pessoa para tentar adivinhar, mesmo que erroneamente em nível subconsciente, o pensamento alheio. E isso é algo discutido por várias pesquisas que algumas googladas não me deixam mentir. Então, parece-me óbvio que toda atitude e decisão que você dá passa pelo processo de "descobrir o pensamento alheio" e então dizer o mais coeso com seus propósitos finais.

Claro que isso não é uma regra absoluta, já que vários microgestos passam despercebidos pela percepção, e muitos deles nem ao menos podem ser "traduzidos" instintivamente. Mas, para efeitos gerais, vamos considerar que essa tentativa de transcrição automática dos pensamentos sempre ocorra fora da grade de consciência.

O problema das indiretas aconteceria quando você quer que essa leitura mental ocorra de modo infalível, e por isso esperamos que todos nos digam o que pensam e acabe com essas tentativas frustradas de oclumência. Oras, qual outro método é tão eficaz para isso quanto usar as indiretas? Basta jogar uma indireta e esperar pela reação positiva ou negativa que realce suas certezas ou dúvidas ante a tomada da decisão. Ainda assim falar diretamente seria mais rápido e o melhor para todos, mas sem que a manipulação mental chegue em você, os riscos de se enganar são maiores.

Conclusão


Sempre existiu um ditado popular que define muito bem tudo isso até aqui. O tal do "plantar verde para colher maduro", que é quando alguém tenta descobrir alguma coisa fazendo perguntas que possam lhe trazer a verdade de modo indireto. É apenas uma estratégia humana simples para ter habilidades paranormais.

Mas quer saber de uma coisa? Com o avanço da tecnologia, quanto mais existem estudos tentando decodificar nossos sinais cerebrais e mapeá-los, mais me parece certo que no futuro haverá meios acessíveis para qualquer um ler a mente alheia. Há alguns anos atrás, isso poderia parecer apenas ficção, mas infelizmente, hoje já é real (embora em estágio bem inicial).
Ou seja, talvez as indiretas venham a perder seu sentido um dia. Ou talvez falar perca seu sentido um dia. Ou talvez pensar...

E seguindo esse ritmo mais "interpretativo" das coisas, caso queira ver mais alguma coisa nesse nível (ou daí para pior), segue alguns conselhos:

  • A Corrente da Motivação onde eu tento expor uma "constatação brilhante" de que todo e qualquer tipo de mudança só é possível se houver uma motivação para isso.
  • A explicação de tudo [1] que é um post arrogante sábio que tenta provar que vivemos na Matrix, só porque não temos evidências para isso.
  • Desilusões do Tempo que em breve farei uma respostagem só para contradizer tudo isso categoricamente.


Eu ia tentar fazer criar alguma frase longa e enigmática para pedir comentários indiretamente, mas cheguei a conclusão que diretamente fica bem melhor. Então...