sexta-feira, 18 de março de 2011

Dança de Salão. Ou não. [3]

Finalmente, posso estufar o peito e dizer: Sobrevivi.

Segue a parte final dessa saga incompleta sobre as aulas de dança que até hoje não entendo como prosseguiram. Você pode ler a parte 1 para saber como tudo começou clicando aqui, e depois já emende e veja a parte 2 para entender o que tem a ver esse post aqui.

Parte 3: Olhando Através do Espelho

Eu nunca havia feito isso, mas confesso que foi fabuloso. Não estou falando da dança em si, mas do fato de Olhar Através do Espelho. Essa metáfora se cria com uma frase sensacional de Jostein Gaarder (autor do livro "O Mundo de Sofia") que fez todo o sentido do mundo para mim em um único dia:

"Nós enxergamos tudo num espelho, obscuramente. Às vezes conseguimos espiar através do espelho e ter uma visão de como são as coisas do outro lado. Se conseguíssemos polir mais esse espelho, veríamos muito mais coisas. Porém não enxergaríamos mais a nós mesmos"

Eu tive essa epifania da vida outro dia, quando eu olhei no espelho e não me reconheci. Eu lembrei da minha personalidade fechada dentro de uma caixa, e constatei que alguém que dançava não fazia parte da personalidade naquela caixa. "Esse não sou eu", repeti para mim mesmo com toda a convicção de quem diz uma verdade óbvia.

O meu eu natural anda cabisbaixo por ser corcundo, não faz movimentos corporais por que aprecia o sedentarismo e ignora os erros que comete todo dia porque não tem muita motivação para repará-los. O meu eu natural foge de festas e ataca pedras contra a parede do concreto mais resistente, com a esperança de que elas ricocheteiem e lhe flagelem, ao invés de tentar destruir. O meu eu natural, como ficou bem claro, é um completo imbecil.

E como qualquer imbecil, eu sabia que as coisas que estava fazendo no momento não eram as coisas que eu faria se fosse eu. Conversa de louco, ein? Mas vamos resumir para o foco principal desse post, que é a relação entre as aulas de dança e minha motivação a continuá-las (Como se isso importasse à alguém).

Carga Dramática

Já faz alguns meses que estou nas aulas de dança e ainda continuo sem conhecer quase totalidade das danças básicas existentes. Nem o nome e como são os movimentos eu faço ideia. Em parte disso é porque as aulas que faço costumam focar uma temporada em cada tipo de dança específico, e até agora tudo o que consegui compreender superficialmente foi o Tango.

O Tango, por ser uma dança mais "triste", completamente densa e fria, não poderia ter ocorrido melhor experiência para mim. Dançar com o peso da raiva do mundo dava a chance que eu precisava para dizer: "Eu sou bom nisso". E cada vez que eu escutava outros alunos reclamando que achavam o tango muito difícil, mais certeza eu tinha de que aquilo era o tipo de dança certo pra mim.

Mas tudo acaba, e depois das férias de fim de ano, ninguém mais falava do Tango, como se o mesmo fosse um mero intruso que apareceu, tentou levar seu drama para os alunos, e sucumbiu ao fracasso porque ninguém mais o respeitava tanto quanto eu.

O pulo do gato, como eu senti, iria ser direto para um precipício, porque agora as aulas caminhavam para o samba de gafieira. Samba? Não, eu não poderia estar ouvindo aquilo. Um tipo de música que detesto iria saltar aos meus ouvidos e movimentos durante os próximos meses. Eu não estava certo de que iria aguentar aquilo. Era trágico; e tragédia por tragédia eu ainda preferia o tango e sua carga dramática.

Gafieira Perigosa

Tenho uma teoria real caótica de que muitas coisas só evoluíram graças à alguma desgraça. A internet que você usa e metade das tecnologias e "luxos" nasceram pela e para guerra. O carnaval que eu detesto, mas muita gente adora, poderia ser diferente se não fossem os escravos. E por falar em escravidão, será que as pirâmides do Egito ainda seriam consideradas maravilhas do mundo se não fosse por eles?

Muita coisa ruim precisa acontecer para que uma boa suplante seu lugar. Assim como a própria gafieira, que é a dança do sujeito malandro que está sempre pronto à matar àqueles que tentem se aproximar da sua parceira. Originalmente, ao que aprendi, o homem dançava a gafieira com uma das mãos puxando a mulher e comandando seus movimentos para que ela ficasse sob sua proteção. E estrategicamente à isso, a outra mão dele ficava em um dos bolsos, e lá mantinha um canivete pronto para o ataque surpresa.

Claro que isso já tem séculos, e hoje em dia é apenas uma dança tocada em bailes, cuja proposta é a diversão. Mas parte da essência da malandragem do homem e delicadeza da mulher continua visível ali.

Lapidação do Espelho

Eu sinto que, de alguma forma, quando você faz algo que não parece pertencer ao seu mundo, você está na verdade com as ferramentas necessárias para polir seu próprio espelho. Ele está diante de você pronto para te mostrar coisas novas que você jamais sequer acreditava existir.

Com a ferramenta em mãos, a lapidação só continua enquanto você vai diante desse espelho. E a medida que tenta enxergar através do mesmo, começará a deixar de ver sua própria imagem. A única pergunta que resta é: Será que haverá outro espelho atrás desse?

É isso o que eu estou tentando descobrir. Mas infelizmente, por enquanto tudo o que consegui foi só as ferramentas e ninguém para me ensinar a usá-las. Com azar eu ainda quebro o espelho, me diz o velho imbecil guardado em minha essência.

Às vezes eu olho para trás e lembro de coisas que eu conseguia fazer sem saber como eu fazia. Era como se fosse uma outra pessoa em meu lugar durante certo período de minha vida. Eu já cheguei a dar aulas como professor, e agora fico congelado até de ir na padaria comprar pão.

Talvez eu nunca tivesse realmente olhado através de espelho algum. Talvez fosse sempre um vidro do alto do prédio, onde a tentativa de lapidação apenas promove os riscos e arranhões para ver o que não se pode alcançar. Talvez... talvez eu nunca entenda o que raios foi aquilo e porque hoje é isso.

"Mesmo não sendo eu, eu gostei desse novo eu que eu mesmo criei para mim".

Um comentário: