quarta-feira, 2 de abril de 2014

Sobrevivência além da Morte [2]


Eu realmente não pretendia escrever uma parte 2 para esse post. Mas aí aconteceu um imprevisto que me deixou bastante chocado. Essa é a continuação de um post que saiu na sequência de um modo bem lamentável.

O que é a morte?

Houve uma certa motivação me levou a escrever a parte 1, onde eu falei sobre a dor e o sofrimento. Essa motivação era minha inconformidade com o fato de estarmos fadados ao sofrimento ao longo da vida. E sofremos pelos mais diversos motivos, e quanto a isso ninguém pode escapar. É por isso que certas culturas orientais, influenciadas pelo budismo, choram ao nascimento de uma vida e "festejam" em sua despedida. Choram por saber que uma nova vida sofrerá irremediavelmente até seus últimos dias em vida.

Eu só acho que nessa parte do texto, é bom que eu deixe claro exatamente de que tipo de dor e sofrimento eu estou falando, porque é fácil fazer uma confusão geral dos conceitos aqui. Quando me refiro a morte, acho que é ponto comum que se fala do fim. Mas aí, dependendo da sua crença, pode ser um começo. Ou já que mencionei o budismo, pode ser um recomeço. Ou seja, nem para falar de uma palavra só dá para ser bem direto. De qualquer forma, do ponto de vista filosófico, não tem como discutir sobre a morte falando por nós, devido a essa interpretação múltipla que cada um por ter, e por tanto, aplicamos um contexto mais global, onde a morte é quando você não verá mais uma pessoa. Mas aí os adeptos do espiritismo podem dizer que esse contexto também está errado, e aqui a definição sobre morte permanece indefinida. Não dá pra discutir e ponto, passemos adiante.

Confesso que eu estou confuso. Fiquei confuso e passei essa confusão através de alguns parágrafos mal elaborados. Mas quem não fica confuso ao pensar sobre a morte? Eu ainda quero algum dia fazer um post, um pouco mais elaborado, vendo o ponto de vista de várias culturas diferentes sobre esse assunto. Por exemplo, esses dias eu descobri que até a visão do céu e inferno no cristianismo é diferente para católicos e evangélicos, e isso me deixou chocado. É que há uma certa vertente do catolicismo que prega que sua alma pode ser destruída, o que seria um comparativo ao sofrimento eterno dentro do inferno em outras vertentes evangélicas. E aí entram outras religiões que pregam a reencarnação, e o ateísmo com um sonho irreversível eterno. São tantas versões e interpretações, que certamente vale um post para acender essa curiosidade. Pelo menos minha própria curiosidade.

E lá vai eu, divagando e divagando confusamente, sem dizer ainda qual foi o imprevisto que aconteceu que gerou toda essa masturbação mental. Então, finalmente, vamos realocar as ideias no lugar e contar os fatos.

Antes

Era mais um dia de trabalho, e como sempre, tudo parecia igual aos outros. E a graça da vida, é que ela é totalmente imprevisível. Daí que uma pessoa que trabalha comigo liga para o escritório em um tom de pânico, e automaticamente não importa o que se tente pensar a respeito, ninguém consegue adivinhar o que é. Chutam coisas como um assalto, um acidente de trânsito, e até mesmo um acesso de loucura de alguma pessoa conhecida. E na verdade, o que aconteceu foi uma parada cardíaca na filha dessa pessoa que trabalha conosco. Falando assim parece que as coisas não se agravariam, mas se agravaram. E muito.

Agravaram porque a filha dela era uma menina ainda, tinha uns cinco anos ou coisa do tipo. E daí que o coração simplesmente parou de bater num momento qualquer, assim, como num instante igual a esse em que você lê esse texto. A vida não deu nenhum tipo de aviso, simplesmente escolheu aleatoriamente uma vida sã, sem nenhum histórico de problema de saúde, e num belo dia colocou em ordem o plano de que o coração não deveria mais bater. Injusto assim. Cruel assim. É tão incompreensível que se não abala uma crença religiosa, ao menos coloca a fé em cheque num momento como esse. Mas depois eu entro melhor nesse assunto, porque infelizmente ainda tem mais uma parte para contar dessa história.

Levaram às pressas a criança para o hospital, mas já era tarde. O pouco mais de 20 minutos entre descobrir que alguém sofreu uma parada cardíaca e um atendimento médico são importantes demais. Mas, como em toda e qualquer esperança natural humana, os pedidos de intervenção divina para uma revirada na história partiam de todas as partes. E um milagre aconteceu. Ninguém sabe como, mas a menina reviveu.

Uma história que poderia ser bonita, mas se não fosse trágico. O tempo que ela ficou sem oxigenação no cérebro havia comprometido mais de 70% da massa cerebral, e isso significava que o estado da menina era muito grave. Mas a esperança de todos era gritante, salvo da equipe médica mais próxima, que sabia exatamente o que aconteceria depois: Se a menina realmente resistisse, iria ficar com sequelas para o resto da vida. Seu cérebro estaria morto, mas ainda manteria o sinal vital de alguns orgãos. Ou seja, a menina estaria morta, mas alimentada por máquinas para fins burocráticos da legislação dizer que ela estava viva.

Eu não consigo imaginar a dor e o sofrimento que isso seria, em um plano geral. Já abordei um pouco sobre a dor e o sofrimento na parte anterior desse post, e por isso não vou me estender nesse assunto. Ao contrário, acho que já está mais do que na hora de encerrar de vez o assunto e contar o final dessa história.

Ninguém era capaz de explicar como uma menina saudável, sem nenhum histórico de doença e totalmente enérgica e brincalhona tivesse uma parada cardíaca. Isso já seria algo raríssimo de se dar em uma criança, então imagina em uma criança que estava bem. Os próprios médicos desacreditaram, mas disseram que poderiam ser feitos os exames para investigar mais as causas daquilo. O problema, é que não poderia ser feitos os exames enquanto a máquina sustentasse a "semi-vida" da garota, pois ela poderia nem mesmo resistir. De qualquer modo, a maior suspeita ficou em cima da meningite, e até o momento onde eu escrevo, fiquei só com essa suspeita como resposta do improvável.

Horas mais tarde, e os sinais vitais pararam. A menina foi dada em óbito, e para ser sincero, acho que foi o melhor a ter acontecido naquela situação, pois, se fosse para sobreviver em sequelas para o resto da vida, o sofrimento e a dor em toda família seriam muito mais difíceis de serem superados. Lidar com a morte já é algo dificílimo, e imagine lidar com a esperança constante, no dia-pós-dia, de que alguém que não tem mais de 70% do cérebro pode voltar. Eu sei que o cérebro é naturalmente otimista, como várias pesquisas já mostraram, mas às vezes o otimismo natural que temos pode gerar mais problemas do que soluções.

Depois

Eu vi chocado, como algumas pessoas tem uma dificuldade imensa em superar certas dores. Na verdade, minto: algumas pessoas tem uma incapacidade em superar certas dores. Vou contar dois casos de pessoas que não conheço diretamente, apenas indiretamente, mas que provam onde quero chegar, e certamente você também conhece um exemplo parecido:

Um caso envolve um acidente de moto, que infelizmente tirou a vida de uma pessoa e com isso, toda a família sofreu aquela perda. Até esse ponto, uma perda por acidente já é algo extremamente terrível e doloroso, e algumas pessoas levam mais tempo para superar e outras menos tempo. No geral, nesse caso em específico, a dor para a mãe foi tão grande que ela se isolou de um modo inacreditável: trancou-se em casa, as portas e janelas sempre estão fechadas, e aquilo que parecia um simbolismo em sinal de luto pela morte já dura mais de cinco anos.

O outro caso também envolve morte, mas não foi por acidente e sim por uma doença. E era algo parecido, pois envolvida uma ligação muito forte entre os envolvidos, mas ao invés de mãe e filho, era entre esposa e marido. Para resumir a história, o marido tinha uma vida feliz e tudo ia bem, e no auge da carreira e da vida, ele é acometido por um câncer, e morre. Sua esposa, ao contrário do primeiro caso, não entra em um estado de depressão e luto, mas sim numa paranóia por compreender o porquê Deus o levou. Ela sempre foi muito religiosa, e não conseguia entender o porquê Deus havia levado seu marido embora, e sua obsessão por respostas a tornou de certo modo doente; ela abandonou emprego, abandonou amigos, família, isolou-se de todos como no primeiro caso, mas para fazer uma reflexão profunda em si mesma, e as pessoas não mais conseguiam conversar com ela, pois agora, tudo o que ela falava parecia se distorcer em palavras insanas que envolviam remorso, culpa, dor e explicações inalcançadas do porquê tudo aconteceu com ela.

Esses dois casos que contei, me chocam porque são reais. E eu sei que mesmo que fossem obra da mais pura fantasia, ainda assim são uma fagulha muito pequena do teor de tanto sofrimento existente por aí. É incalculável o sofrimento, e nesse ponto eu me pergunto até que ponto vale o sofrimento além da morte?


Acredito que vale um link de um podcast falando sobre o suicídio. O pessoal é do Telhacast, eles falam do tema com psicólogos na equipe e o tema é muito bem abordado. Acho que o suicídio resume um contraponto exato entre o sofrimento e a morte. Clique aqui para cair lá no post deles e escutar. E para fechar com grande clave esse post, vale o link do Marcelo Del Debbio sobre as 4 Nobres Verdades, que fala uma visão do Budismo sobre o Sofrimento que é muito elevadora.

Sobrevivência [1] → Post anterior sobre a dor e o sofrimento
O Cético Crente [2] → uma visão sobre o porquê cremos em algo
Crenças Imutáveis → Uma reflexão sobre suas crenças
O que é a felicidade? → Uma resposta nenhum pouco simples
Requiescat in pace