sábado, 3 de agosto de 2013

Procura-se um cão


Esse post é um relato sobre a perca de minha cadelinha. Eu sei que você não tem nada a ver com isso, mas o mimimi isolado faz parte da corrente de desilusões desse blog. Se eu conseguir, até o final desse post tentarei propor um lado positivo de tudo isso. Mas antes, a parte mórbida da coisa é inevitável em meu estado de espírito atual. Ou seja, pode pular esse texto e ir se divertir. Não há nada animador aqui.

Um caso em muitos


Um sábado de inverno, tipicamente frio, como muitas vezes é até incomum de ser em nosso país tropical. E enquanto eu me divertia longe de casa, havia um estandarte de desespero em outro canto da cidade. Naquele instante minha cachorrinha Laika, de quase 3 anos, havia acabado de se perder. Ela sempre foi medrosa desde pequenina, e me lembro do medo que ela tinha até para dar alguns passos mais longe do que sua cama. Mas nada disso se compara ao medo desesperador que é perder sua única fonte de segurança, que era o lar.

Eu sei que muitos tendem a criticar os donos quando a perca de um cão acontece, associando a eles a irresponsabilidade na falta de cuidado com a segurança do pequenino. Infelizmente sabemos que em alguns casos a irresponsabilidade existe, e em outros não. Vou tentar relatar de modo resumido como que Laika se perdeu por aí, e depois você fica livre a tirar suas próprias conclusões sobre qual teto é tingível das pedras que pode juntar.

Laika passeava todos os dias na coleira, e minha irmã sempre a levava pelo quarteirão e nas proximidades. Sem dúvidas era o momento que minha cachorrinha mais esperava do dia, abanando o rabo e pedindo ansiosamente pelo momento de andar pela rua. Eu nunca entendi, de verdade, o que faz a realidade das ruas ser assim tão grandiosa para os cães. Mas esse ar do mundo novo fisga os cães que moram dentro de casas ou apartamentos. Para eles é um mundo em que há outros cães e pessoas, e a imprevisibilidade quebrando a rotina está ali. Ironicamente, quem está lá quer (muitas vezes) entrar dentro de uma casa, e quem está em casa, quer se aventurar por lá.

Uma característica muito visível na Laika, que era seu medo, atingiu o ápice quando ela viu um cachorro grande em sua direção. Talvez gigante na perspectiva dela, que era pequenina, muitas vezes sendo confundida com poodle aos olhos mais desatentos. Assim que o instinto de sobrevivência foi ativado, ela simplesmente se esqueceu que estava na coleira e que estava segura com minha irmã, e um ataque paranóico de desespero a fez se retorcer como podia achando que isso a salvaria de tudo. Antes que minha irmã pudesse recolher ela em seu colo, a coleira se solta, e ela foge.

Mas Laika ainda conhecia um pouco daquele quarteirão, e não fugiu sem nenhuma direção em mente. Ela sabia que dentro de casa sua segurança estaria completa, e por isso lá foi o lugar em que recorreu. Ela parou em frente do portão de casa, chorando e implorando para que alguém abrisse a porta, mas o tempo não colaborou. O cão gigantesco surgiu pela esquina correndo em fúria, e tudo o que restou para Laika foi que ela fugisse novamente. Mas dessa vez não era para um próximo refúgio, e sim para nunca mais dificilmente voltar.



Depois que eu soube da notícia, toda cadeia de fatos acima pareceu não ter importância alguma. Minha família estava muito abalada, e ninguém sabia o que fazer. Divulgamos pela internet, usamos cartazes, fizemos buscas incessantes e nada resolvia. Essa resposta negativa que a realidade nos dava era tão frustrante que diminuía as esperanças de reencontrar Laika novamente. O ato mais triste, certamente é você colocar a cabeça no travesseiro e imaginar que naquele segundo uma vida que lhe era pretendida em tanto amor podia estar por aí, passando frio, fome, medo, desespero e sentimento de abandono. Para que essa morbidade não fosse tão destruidora, um pensamento de que alguém poderia tê-la achado e estava cuidando dessa pobrezinha tentava amanciar o estado de espírito.

Eu juro que criei um processo para praticar um desapego, para esquecer a história e tentar apenas me concentrar que tudo estaria bem com ela. Queria ser um conhecedor da psicologia canina e ser capaz de calcular quanto tempo levaria para ela se adaptar a nova família feliz e amável que poderia lhe encontrar. Mais do que isso, quanto tempo levaria para que ela se esquecesse de todos nós e conquistasse uma nova felicidade para si; tentei me enganar com coisas do tipo, mas eu sabia que não iria ser fácil, pois demandava de tal frieza em meu coração que certamente não possuía.

Três dias depois, recebo uma ligação de alguém dizendo que a viu nas ruas, que reconheceu que era a Laika por uma manchinha característica em seus olhos. Descreveu que ela estava assustada, correndo pela praça. Na hora, aquela ligação reacendeu minhas esperanças, e isso foi bom. E para lá fui, e por lá procurei, e por lá não encontrei. Aquilo doía em meu coração, que não acreditava nessa realidade infâme de um mundo em que procurar e encontrar é em vão. Foi frustrante encontrar uma pista que destruía a ideia que eu tentava construir sobre Laika sendo bem cuidada por uma família feliz.

E eu sei que ela é um cão. E que quem lida com desaparecimento de pessoas e entes familiares acaba sofrendo muitas e muitas vezes mais. Mas eu não quero ponderar essa dor, pois cada caso é sempre um caso. O que eu sei é que as vezes perdemos uma roupa e já ficamos enraivecidos, simplesmente porque a roupa é a mais importante naquele nosso mundo acomodado com a realidade atual. Quem lida com desaparecimento de pessoas certamente sabe do quão fútil é essa realidade, mais do que eu, que agora lido com apenas o desaparecimento de um animal de estimação. Deveria ser fácil, mas não é.

muitos casos em um


Eu sei que um post desses, aos olhos de alguns, tende a parecer como um derramamento de um egoísmo qualquer. Existem centenas de animais perdidos e eu achar que tenho algum tipo de preferência em seu compadecimento. Milhares de pessoas e outros animais sofrem abusos, torturas e dores infinitamente maiores do que a minha, e aqui me pego dedicando a maior parte do post para falar de uma cadelinha chamada Laika. Mas normalmente são casos assim que as vezes ajudam a dar uma perspectiva diferente em nossas vidas e nos fazer mudar alguma coisa. Vou deixar aqui um dos vídeos que me emocionaram muito que falam da doação de medula óssea. A construção do vídeo em si surgiu em um caso isolado, mas muitos se mobilizaram com ele, e um caso certamente poderá salvar muitos outros.



E aqui, nesse desfecho, Laika é apenas um caso em muitos. Se de repente você entender que, em cada caso há um sentimento maior envolvido, talvez, aí na sua cidade ou região, passe a olhar com mais cuidado os animais pelos quais cruzam com você no dia-a-dia. Será que algum deles não pode estar perdido também? Será que algum deles não pode estar sentindo o terror de um mundo selvagem para o qual não foram preparados?

Vou deixar o link de algumas comunidades no facebook, de pessoas que fazem um trabalho incrível de divulgar animais perdidos e encontrados. Não custa nada você dar uma passadinha nas páginas de sua cidade para quem saber, ajudar pessoas e animais que podem estar ali, cruzando pela rua num dia qualquer enquanto vai ao trabalho ou escola.



Em tempo, no site cachorro perdido, é possível fazer uma busca por animais desaparecidos (e encontrados) ali na região onde está. Tem um mapinha interativo, e não custa nada dar uma olhadinha no mapa para ver algum animal que pode ter sido perdido em seu bairro. Vai que ele está ai no portão da sua casa e algumas quadras dali tem alguém sofrendo por algo tão simples de ser resolvido?

um adentro sobre a Laika


Mas ao que tudo indica, esse post não foi só mais uma desilusão aleatória. Depois dos acontecimentos, conseguimos recuperar a Laika de volta. E isso aconteceu depois de uma semana, graças a insistência de espalhar cartazes e apostar na divulgação. Pois o dono de um petshop acabou reconhecendo a foto e entrou em contato. Passou o endereço de quem havia encontrado a cachorrinha e depois disso tudo ficou mais fácil.

Mas uma coisa interessante, é que uma semana foi o suficiente para que a Laika já encontrasse dificuldades para reconhecer sua "família". Levou algumas horas até se recuperar do trauma e voltar ao normal. Tanto que foi difícil reconhecer se era ela mesma, principalmente por estar tosada e bem diferente. Ainda tiveram outras peculiaridades, como o fato da pessoa que achou o animal colocar informações contraditórias sobre a situação do encontro... mas deixa para lá, o que importa é que tudo terminou aparentemente bem. E vou finalizar deixando uma foto dela no dia seguindo ao reencontro. Já tosada e irreconhecível para nós.




Esses dias me peguei pensando no quanto é difícil se desapegar de algumas coisas, de criar mudanças de rotina ou simplesmente precisar se acostumar ou desacostumar com alguma outra coisa. E essa dificuldade pode parecer beirar o impossível dependendo da importância que aquilo tem, tinha ou terá para gente. A solução mais clássica de todas - depois que a esperança morre - sempre é aquele tal mandamento do desapego. Sempre nos pedem para abrir um sorriso no rosto, encarar a mudança de frente e praticar o desapego. Isso é perfeito em teoria, mas sabemos na prática que muitas vezes o resultado é um desapego falido.

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"A dor de uma perca pela morte ressurge pela lembrança. A dor de uma perca pelo desaparecimento ressurge pela esperança. Quem diria que lembrança e esperança também podem ser vis quando querem, mas belas na sua própria máscara da semântica." - Ledark