segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Choro Límbico


Bem no comecinho do próximo mês faz um ano que meu cachorro meio-poodle e meio-vira-lata morreu.

"Se bem que, na verdade, nenhum animal de estimação simplesmente morre. Ele sempre nos ensina algo novo e forma parte de nossa história. Mas um dia ele vai embora, e logo quando arrumamos a compahia de outro animal, aquela nova vida não vem para substituir a outra que se foi; ela vem para continuar nos ensinando coisas novas e para nos ajudar a continuar construindo uma nova história". (Parafraseado de uma dona de abrigo de animais que não lembro mais onde e quando escutei)

Esse texto faz parte da série de posts relatando minha relação com os canis lupus familiaris e o quanto podemos aprender com eles. Ou, em outras palavras, vou tentar esclarecer se os animais realmente tem algo para nos ensinar ou não (Psicologia canina, hã?). Mas prometo não abandonar a base científica dos posts, e como toda história real em andamento, seu final ainda é completamente imprevisível para mim.

Ah, e por que raios o primeiro tópico foi sobre choro? A resposta, não poderia ser mais óbvia: Toda nova-vida [nesse caso canina] sempre chega ao mundo chorando.


Bebês não choram


Ringo era vira-lata dócil e facilmente conseguia conviver bem com todos. Nem sei ao certo quantos anos ele tinha quando eu nasci, mas o fato é que ele estava lá. Eu ainda num berço no meio da sala, e minha mãe com pouco tempo que havia voltado do hospital. Assim como naquele clássico filme da Disney "A Dama e o Vagabundo", Ringo foi entrando no cômodo cautelosamente, sem conseguir esconder a curiosidade. E passo a passo ele ia espreitando a cabeça na direção do berço, de modo a conseguir contemplar quem era o novo integrante da família. E o que eu fazia diante disso? Das duas uma: Como todo recém nascido, ou dormia para se comunicar comigo ou chorava para me comunicar com os outros.

Nenhum bebê é capaz de controlar quando chorar e quando ficar quieto porque isso faz parte do instinto de sobrevivência. Diante de uma grande necessidade, a criaturinha indefesa chora pelo clamor de alguém que descubra e supra suas necessidades. A mentalidade de um bebê não é tão diferente da maioria dos outros animais de nosso planeta, e até então, a lei da natureza permanece inalterada.

Filhotes de cães choram de forma mais contida e elegante do que os humanos, que tendem a berrar até terem certeza que conseguiu deixar todos ao redor surdos. Imagino que essa tentativa de chamar a atenção, para ambos os casos explica muita coisa:
Filhotes de cães não sabem latir, e bebês não sabem falar. Filhotes de cães evoluem seu choro até que o mesmo consiga se tornar mais controlado e dali formar o primeiro latido. Bebês, por outro lado, não evoluem o choro para nenhum outro lugar. Simplesmente descobrem naturalmente que aqueles berros não são elegantes e mudam totalmente o tom do berro para conseguir transformar aquilo em voz. Ou seja, vamos considerar do ponto base: a voz de ambos vem do choro, mas apenas o animal (nesse caso específico o cão) consegue fazer dele um aprendizado. Ponto pra eles.

E só para lembrar: Tudo começa sempre com um choro seco, sem lágrimas. Isso porque o recém-nascido ainda não tem desenvolvido suas glândulas lacrimais, e tudo o que resta como única proteção dos olhos é manter os olhos fechados. Junte a isso o sono inacreditável que acompanha os bebês e é fácil notar como a natureza não deixa ponto sem nó.

Obviamente, o pacote de recursos básicos que vem através do instinto da sobrevivência inclui berrar o mais que puder para, inconscientemente, crer que isso pode atrair a atenção de um herói responsável por lhe salvar de qualquer que seja a situação.

Viagem ao Limbo

Uma das melhores descrições que vi sobre "o limbo" estavam no filme "Inception", onde mais uma vez temos Leonardo de Caprio interpretando seu verdadeiro papel papeis malucos. Enfim, o contexto do Limbo era aplicado ao inferno dentro de sua mente, que seria uma espécie de lugar sem volta dentro das profundezas do subconsciente. E essa definição é realmente assustadora. É como entrar em um pesadelo e jamais acordar dele.

O mais interessante é a ligação que tudo isso tem com o choro. Uma vez sabendo que o limbo está sempre associado com alguma coisa ruim, e geralmente abstrata, fica mais fácil entender porque colocaram o nome de "sistema límbico" para a parte do nosso cérebro que atua sobre os sentimentos. Claro que os sentimentos também envolvem coisas boas, mas na grande maioria dos caos não temos muito controle sobre eles, e de uma forma geral, a grande parte restante do cérebro também não.

E ali na nossa caixinha de sentimentos, as que são capazes de criar as seqüelas mais profundas no comportamento e na personalidade vem justamente daqueles sentimentos ruins, que em certo ponto causam um trauma e se tornam inesquecíveis para o resto de sua vida.

O sistema limbico não só é o culpado por gerar teus sentimentos mais abomináveis ou puros, como também desencadear o choro. Dentro dessa caixinha da perdição é que sai a ordem para que as lágrimas sejam derramadas sem piedade.

O Fim de uma História

Ringo foi meu primeiro contato com uma raça diferente da humana, e ele me viu crescer. Não muito, já que morreu quando eu tinha entrado na primeira série escolar. Já era uma época em que ele começava a demonstrar os sinais da velhice e acentuar alguns comportamentos bizarros.

Até hoje eu ainda não encontrei uma explicação plausível para o comportamento do dia de sua morte. Dava para sentir claramente uma tristeza profunda nele, uma necessidade de ficar junto de cada membro da família como que se despedindo. E ele estava saudável até onde eu sei, o que tornou os eventos daquele dia ainda mais bizarros.

Ringo morreu com 11 anos, de certo modo por minha culpa, já que eu até hoje juro que tive um sonho premonitório que me faria ter evitado aquele acidente. E ainda que esse sonho premonitório seja apenas uma falsa memória, o fato é que eu fui abrir o portão de casa, e a única coisa que deu tempo de ver foi ele saindo correndo para a rua desesperado (coisa que ele jamais fazia), e essa foi sua última corrida. Ringo foi de encontro a um carro e caiu no chão após a pancada parcial que levou na cabeça. Ainda tive tempo de vê-lo extendido no chão com cabeça tremendo e os olhos me dizendo adeus. Morreu ali, de olhos abertos fechando todo o ciclo de sua longa história.

Depois de Ringo, quase um ano depois e o ciclo de um novo animal de estimação se iniciava, onde novamente haveria mais uma torrente de histórias a serem criadas. Uma foto dele é essa aí o lado.

O simpático sujeito se chamava Billy (sim, nomes de cães sempre esbajam criatividade), e ano passado, aos quinze anos ele também teve seu final. E agora, três meses atrás, meu novo cãozinho nasceu, embora eu só fosse saber disso bem mais recentemente. Na verdade é fêmea, e novamente a criatividade absurda dos nomes coloca Laika na criação de uma nova história, cujo novo ciclo e novo final ainda não foram escritos. Pelo menos não ainda nesse blog.


Diante de acontecimentos tristes, as lágrimas são uma manifestação fisiológica de um lado abstrato da mente. Talvez por questões evolutivas seja necessário as memórias terem mais impacto diante de acontecimentos negativos do que de positivos.

Se você achou esse post muito deprimente, recupere o tempo perdido (ou perca ainda mais) vendo algumas dicas para sair de uma desilusão. Ou simplesmente aproveite o espírito límbico das coisas e encontre motivos para odiar o amor lendo sobre sua malevolência. Mas caso essa idéia de odiar o amor parecer assutadora demais, então tape parte dos olhos e veja sua benevolência.. Se tudo isso ainda continua ruim, expresse-se deixando um comentario abaixo.

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