segunda-feira, 19 de abril de 2010

Efeito Placebo [1]



placebo | s. m. : Med. - Substância neutra administrada em vez de um medicamento, como controle numa experiência, ou para desencadear reações psicológicas nos pacientes.

Além do significado principal, Placebo também é o nome de uma banda de rock inglesa. E agora, faça a junção desses dois significados e você tem uma história envolvendo duas pessoas reais, em um mundo real, mas cujas mentes recebem o contraste da aplicação do Placebo em suas vidas.

Post dividido em 4 partes, contando a saga de um cara banal entorno do show que aconteceu no Credicard Hall de SP dia 17/04/2010.



Parte 1: O Convite

Uma das coisas mais abundantes na vida é falar. E como tudo que é feito com tanta repetição, eventualmente fala-se muitas coisas por falar, que não vão a lugar algum além daquilo. Por isso que quando fui convidado para participar do show que a banda Placebo faria em São Paulo, eu acreditei que fosse apenas mais um conjunto de palavras saindo e indo para lugar algum. Eu estava errado.

Com minha postura muito maleável sobre gostos musicais, eu dificilmente acharia aquele show ruim, mesmo que nem conhecesse um único integrante da banda em questão. Nem o nome eu sabia pronunciar, e tão pouco via diferença entre ouvir o som com milhares de pessoas ou sozinho no mp3; na verdade, acho que preferia no mp3 com um botão de ajuste de volume ao meu dispor. Eis a razão de um nunca ter me interessado em ir para show algum, seja lá do que seja: Ouvir é um sentido igual em qualquer ocasião.

Então, é fácil concluir, que tudo isso terminaria aí, sem bem ter começado. Qualquer pessoa que recebe um convite que não lhe agrada o recusa prontamente sem dúvida alguma. Isso é o que se chama de decisão; e todos temos o direito de nos decidir quando alguma coisa surge. Então, como é sensato questionar, o que faria alguém aceitar um convite conta a própria vontade?

Alguns chamam isso de falta de atitude, outros de perca de personalidade, outros de idiotice, mas eu prefiro me consolar acreditando que é culpa do lado negro de meu signo. De qualquer modo, vigorada a ideia de ter aceito o convite, começaria naquele momento uma saga inicial de preparativos físicos e mentais para o show.

Meus pais não aplaudiram a ideia, como eu já previa desde o início. Aliás, se eu contasse para eles que era show de rock, então o tamanho das consequências seriam gigantescas. Discutir com culturas de gerações diferentes é tentar furar a água; impossível. Mas, felizmente, nada que algumas conversas não pudessem reverter a ocasião. Para convencê-los, primeiro eu precisei convencer a mim mesmo de que realmente tinha aceitado tudo isso.

Quando uma pessoa é tímida ou ansiosa, todo o medo de qualquer situação nova gera problemas. Problemas que não são fáceis de compreender como podem existir; mas, ainda assim quando se expõe tudo abertamente, uma pessoa tímida ou ansiosa pode ser compreendida. Mas isso se torna mais difícil quando há junção disso mais algum outro transtorno de personalidade agravante. Aceitar o desconhecido é quase como prender uma pessoa claustrofóbica em um elevador, ou fazer alguém com crise de pânico reviver uma cena traumática. São coisas que só quem bebe dessa fonte sabe o gosto que tal água tem.

Mas sabe qual era o segredo da mágica para conseguir calma e reflexões no que tinha decidido? O fato de que entre aceitar o convite e comprar o ingresso era um caminho muito longo e contraditório, que poderia ter qualquer final imprevisível. Uma leve amostra do efeito placebo começou diante das possibilidades de mudanças que eu estaria começando a fazer. Sair, ver o mundo além das paredes de meu trabalho e minha casa... tudo isso gerava a expectativa. Expectativa é como uma arma, cuja munição é a ansiedade: uma dose de ansiedade lhe atingindo a cada momento, e o final disso, como se sabe, seria só após o maldito bendito show acontecer. Mas eu não poderia passar meu tempo com a mente em caos. Não. Era por isso que eu precisava ter o efeito placebo incindindo em meu ser.

***



Veja a parte 2 dessa história clicando aqui.

Efeito Placebo [2]



placebo | s. m. : Med. - Substância neutra administrada em vez de um medicamento, como controle numa experiência, ou para desencadear reações psicológicas nos pacientes.

Além do significado principal, Placebo também é o nome de uma banda de rock inglesa. E agora, faça a junção desses dois significados e você tem uma história envolvendo duas pessoas reais, em um mundo real, mas cujas mentes recebem o contraste da aplicação do Placebo em suas vidas.

Post dividido em 4 partes, contando a saga de um cara banal entorno do show que aconteceu no Credicard Hall de SP dia 17/04/2010. Veja a Parte 1 clicando aqui.



Parte 2: O Ingresso

A primeira barreira, que seria um simples convite para um show, veio na minha direção e eu deixei impactar. Levaria o impacto e tentaria não cair - e mesmo que caísse, me colocaria a levantar - e assim o fiz. Mas depois disso, a estrada continuou, e diante de mim veio a verdadeira barreira, que seria a compra do ingresso.

Naquele dia, em uma conversa pelo msn, todo o caos mórbido até então levou o assunto para um ponto crítico. Mas antes do ponto crítico, houve uma discussão saudável sobre o horário certo para nos encontrarmos para comprar os ingressos, sobre comprar pela internet ao invés de pessoalmente e até escolher entre o lugar mais próximo e o mais afastado.

Eu ainda estava com uma leve tendência a discordar de tudo naquele dia; meu estômago revirava diante da possibilidade de um simples convite de dias atrás virar realidade. O golpe daquele momento me dizendo que algo novo aconteceria me criou uma verdadeira mudança comportamental.

Junte toda essa incoerência de contradizer uma discussão e você descobre como irritar alguém sem querer. E foi esse o ponto crítico daquele dia:

_Se você não queria ir, era só dizer que não iria e pronto. Não precisava dar essa volta toda...

Eu nem sabia o que responder. Ou talvez, nem tivesse o que responder, porque ela estava certa. A coisa mais repugnante que eu poderia ter feito era plantar uma semente de esperança em alguém e então cortar o caule quando o primeiro fruto estivesse para sair. Com a mente acelerada meus dedos já haviam digitado "me desculpe", mas não tinha coragem de enviar a mensagem. Eu não podia deixar toda a ansiedade transformar alguns caracteres de texto em um profundo arrependimento.

"Me desculpe" - Eu pensei, e olhando para aquela frase pronta, meu dedo titubeou sobre o botão para enviar o fim de tudo, mas aí ela mandou outra mensagem... Na verdade, naquele momento não eram mais mensagens, e sim golpes de faca; a minha merecida dor pelo acúmulo de erros que formam o caráter de um covarde.

_Você nem conhece a banda, seus pais não querem que você vá... Aliás, pra que você quer ir mesmo?

Era uma pergunta retórica, e por isso eu novamente não sabia o que responder. Mas precisava dizer algo, e dessa vez não seria um "me desculpe"; três respostas vieram a mente, e num intervalo de poucos segundos minha mente tentava planejar toda a sequência de eventos que cada coisa que eu dissesse impactaria no futuro.

_Quero ir porquê... - E então me vi em uma caverna escura, com três caminhos impostados à minha frente. A voz que vinha do meu subconsciente dizia que não faria diferença entre o que eu dissesse, desde que não "desse mais voltas". Aliás, provavelmente já era mesmo um caminho sem volta.

"Quero ir porque eu gosto de estar ao seu lado. Na verdade não ligo a mínima para esse show, mas se é onde você quer ir, então eu quero ir também".

Não, eu não iria ter dito nada disso em hipótese alguma, mas foi a primeira resposta que me veio a cabeça, ou na verdade, era o que já estava na minha cabeça há muito tempo atrás. Mas com certeza não é nada inteligente dizer para um pessoa que aquilo que ela gosta não importa para você. Mas isso seria o menor de todos os problemas; nunca existiu um elo qualquer entre nós dois que não fosse amizade. E com certeza, pior do que magoá-la seria ter o contrato de amigos destruído para sempre, e pior do que isso, ela jamais me olharia com os mesmos olhos novamente. Então, era hora de eu pensar em outra coisa.

"Quero ir porque, embora eu não me importe muito com esse show, eu queria te ajudar".

Ajudá-la... Por que eu queria ajudá-la levando alegrias em troca de minha própria infelicidade? Ela já havia me dito que não tinha mais ninguém para ir com ela naquele show, mas eu sabia que se eu colocasse toda verdade naquele momento, os efeitos disso seriam impróprios à ocasião. Por um instante me senti no futuro, interpretando o papel de Evan no filme Efeito Borboleta, em que ele tem a possibilidade de voltar para o passado e concertar algum erro que cometeu; mas naquela hora o passado era onde eu estava, e minha fiel intuição gerou o triste futuro que me levaria ante uma mensagem elaborada sem planejamento.

Fiquei orgulhoso de ponderar algo verdadeiro e inteligente ao mesmo tempo. A resposta final que selou a compra do ingresso e criou um marco na minha vida patética veio através disso:

_Eu quero ir porque quero mudar, sair da rotina, iniciar uma revolução.



 Reveja alguma parte anterior ou continue lendo essa saga:
  1. O Convite
  2. O Ingresso
  3. Administrando doses de Placebo

Efeito Placebo [3]



placebo | s. m. : Med. - Substância neutra administrada em vez de um medicamento, como controle numa experiência, ou para desencadear reações psicológicas nos pacientes.

Além do significado principal, Placebo também é o nome de uma banda de rock inglesa. E agora, faça a junção desses dois significados e você tem uma história envolvendo duas pessoas reais, em um mundo real, mas cujas mentes recebem o contraste da aplicação do Placebo em suas vidas.

Post dividido em 4 partes, contando a saga de um cara banal entorno do show que aconteceu no Credicard Hall de SP dia 17/04/2010. Veja a Parte 1 clicando aqui.

 Veja as Partes Anteriores:
  1. O Convite
  2. O Ingresso


    Parte 3: Administrando Doses de Placebo

    "Agora não há mais como voltar atrás". Eu disse assim que olhei para os ingressos em minha mão. O peso daquele pedacinho de papel era tamanho que minhas mãos tremiam. Eu estava dividido entre a conquista de ter dito para mim mesmo que eu era capaz, e o medo incontrolável de ver tudo se frustrar dali um mês.

    A única coisa que eu tinha para meu conforto, era o fato de eu não ir lá sozinho. Aliás, eu nunca iria em um lugar desses sozinho, visto que para mim, a única diferença entre ouvir música ao vivo e no mp3 era a falta dos botões de pause, volume e navegar pela playlist. Mas pensando bem, mesmo acompanhado eu não iria em um evento desses; Nem me lembro o quantos convites já recusei, desde aniversários, festas para isso ou aquilo ou churrascos. No começo você recusa tudo sem pensar, ai depois de um tempo nem te convidam mais.

    Então, quando paro para refletir minhas decisões, percebo que havia alguma coisa diferente que fez eu seguir até o fim com aquela ideia do show. Alguma coisa que havia mudado minhas atitudes, e feito perceber que eu ainda não havia dominado a razão sobre uma emoção.
    Acontece quando você ignora todos os defeitos de uma pessoa, muda seu comportamento e fica mais bobo de que o costume. Infelizmente, quando isso não é recíproco, o que poderia um dia ser o amor, se transforma em angústia. Ou, um pouco mais do que isso, uma angústia inexplicável, como bem vi relatado nesse blog.

    Para passar o tempo e me distrair de modo lógico, resolvi respirar fundo e deixar as coisas acontecerem no seu andar normal. Passei a conhecer mais sobre os integrantes e ouvir as músicas da banda de modo a me sentir mais próximo daquele evento. Separei as músicas que eu mais tinha gostado e deixei-as tocando em loop pelo máximo de tempo que eu pudesse ouvir. Como meu inglês é era enferrujado, busquei alguns sites de traduções de letras, e tentei absorver o máximo de informações que eu pudesse.

    Naquelas doses de Placebo, sem me preocupar com superdosagem, eu até fiquei realmente fascinado com algumas músicas que tinham parte de mim estampadas nela. Só para citar uma delas, que tal Julien com seu refrão "...você é um suicídio em câmera lenta"?

    Eu sabia que quando o tempo passasse e tudo chegasse ao fim, aquilo se acabaria pra sempre. A eterna lei sábia de que "a gente só gosta de quem não gosta da gente" é um fato concreto. Ela mesma já havia me dito que tudo sobre mim era apenas um pouco de amizade. E eu? Ao mais belo ritmo da música For What it's Worth, cantando animado: Got no friends, got no lover.

    Dentro de mim havia esperanças de alguma coisa subitamente mudasse tudo, que um mundo surgisse diante de mim, ou que eu acordasse de vez daquele sonho inédito. Quase que como resposta divina a meus desejos, o dia do show chegou, e ali minha ansiedade atingiu seu ápice. Era como se fosse eu um artista estreando pela primeira vez num palco, e não alguém que, como qualquer outro, aproveitaria tal espetáculo.

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     Continue Lendo:

    Efeito Placebo [4]



    placebo | s. m. : Med. - Substância neutra administrada em vez de um medicamento, como controle numa experiência, ou para desencadear reações psicológicas nos pacientes.

    Além do significado principal, Placebo também é o nome de uma banda de rock inglesa. E agora, faça a junção desses dois significados e você tem uma história envolvendo duas pessoas reais, em um mundo real, mas cujas mentes recebem o contraste da aplicação do Placebo em suas vidas.

    Post dividido em 4 partes, contando a saga de um cara banal entorno do show que aconteceu no Credicard Hall de SP dia 17/04/2010.

     Veja as Partes Anteriores:
    1. O Convite
    2. O Ingresso
    3. Administrando doses de Placebo



    Parte 4: Fim do Tratamento

    Acordei realmente cedo naquele sábado, porque dizer que não dormi seria injustiça com as horinhas avulsas que se juntavam ao decorrer de intervalos na noite. Abri o armário e dei uma olhada se meu ingresso ainda estava no mesmo lugar. Olhar para ele me deixava incomodado, mas ao mesmo tempo aliviado por saber que seria seu último dia.

    Separei os binóculos que levaria para o show, verifiquei se havia créditos no celular e deixei o GPS carregando enquanto dava uma última estudada no mapa. Da minha cidade até o CredicardHall são mais de 50 km, e quando não se é experimente em fazer viagens mais longas do que 2km, isso tem um impacto inacreditável.

    Nem consegui almoçar, e já havia passado das 16h. Embora o show só fosse começar as 22h, eu precisava sair absurdamente cedo de casa para evitar quaisquer imprevistos. Fui para casa dela, e de lá seguimos ouvindo a dose final das músicas do Placebo. Como eu havia decidido, depois daquele dia iria apagar as músicas e todas as recordações daquele momento. Estrategicamente não levei câmeras fotográficas, e felizmente meu celular não consegue tirar foto alguma descente. Tudo o que eu teria daquele dia no futuro seria só uma lembrança, pois assim seria mais fácil esquecer quando precisasse. E eu iria precisar.

    Chegamos tão cedo que para passar o tempo ficamos no carro assistindo tv pelo celular. Ironicamente, o programa que ficou sintonizado era desses com namoros na tv, onde um punhado de gente tenta tirar a sorte do amor enquanto se diverte com a fama por um dia. Enquanto via as imagens, meus pensamentos iam para longe. Eles terão a fama por um dia, mas talvez nem saiam dali comprometidos. Fiquei imaginando quantas pessoas poderiam estar em uma situação parecida com a minha, e o quanto poderia ser valioso eu aproveitar daquele momento, ignorando tudo o que mais viesse a seguir.

    Confesso que nunca achei que um desses programas de tv dos quais nunca vejo, eventualmente pudessem coincidentemente me serem úteis naquele momento. Foi dali que eu tirei a dose de coragem por dentro, e finalmente decidido que o show seria o fim do tratamento a base de Placebo.

    O Credicard Hall estava de parabéns pela sua estrutura, e até mesmo eu que não via o menor sentido naquele show achei aquele evento incrível. A experiência valeu pela expectativa, mas teria sido melhor se eu pudesse ter pulado toda a parte da ansiedade que veio antes daquilo. Durante a música estourando meus tímpanos eu me deixei seguir pela regra cultural de toda aquela massa. Cantar junto, aplaudir e curtir o momento. O tratamento se fechou com chave de ouro para mim, e eu pude voltar recuperado para casa.

    Ainda durante aquela noite, eu continuava ansioso, mas dessa vez era uma ansiedade boa, pois eu não via a hora de contar os detalhes de tudo o que havia acontecido para meus pais. Eles finalmente aprovaram o que antes eu não via expectativas. E até me incentivaram a ir em outros shows. A sensação de liberdade era indescritível, e ali eu vi que a amizade, no seu mais belo e puro contexto da palavra, havia valido a pena.

    ***
     Veja todas as partes dessa saga:
    1. O Convite
    2. O Ingresso
    3. Administrando doses de Placebo
    4. Fim do Tratamento