quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Linha Vazia


Semanas atrás,

O grito escarrado, entupido, propondo o socorro a distância veio acompanhando os cambaleios daquela mulher. Tudo em que seus objetivos mais profundos tingiam, era alcançar o único telefone público existente em quilômetros de ruas desertas.

Assim solitário, triste e nostálgico, o telefone tocou incansávelmente naquele fim de tarde em algum lugar distante. Alguma casa fora sorteada para receber o chamado da mulher, e cá eu deixei de atender porque o sono e o cansaço estavam sob minhas prioridades. Eu podia muito bem ter puxado o fio do telefone e continuado a dormir, mas toda a generosidade presente em meu ser fez com que eu atendesse aquela ligação.

A voz do outro lado da linha gritava tanto que eu mal conseguia distinguir qual era a mensagem e motivo daquela ligação. Pensando que fosse um trote ou engano qualquer, eu pedi desculpas e desliguei o telefone, mas desta vez já tinha decidido que não atenderia mais ninguém.

A mulher reconheceu o erro pregado pelo seu nervosismo, e cogitou algumas frações de segundo antes de tentar usar a última ficha telefônica que tinha no bolso. Mas, como a vida condena a quem falha, ouviu-se um forte estampido, e junto do barulho, a dor. Agora escorria sangue pelo seu ventre, e a possível bala de seu assassino alojado pela suas entranhas.

As últimas forças remetiram o desejo de completar aquela ligação. Mas havia alguém ali que não permitiria esse desfecho. Ouviu-se mais um tiro, e a mulher cedeu sobre o próprio peso, ajoelhando-se no chão. Em uma mão havia a escassês de uma única ficha, e na outra o sangue em ambundância.

Meu telefone tocou uma última vez, mas eu não sabia que era o último contato. Queria xingar quem quer que estivesse no outro lado da linha, mas antes disso, dei a chance de tentar receber novamente a mensagem. Desta vez não havia mais berros ou desespero. Havia apenas uma tênue linha de silêncio no fim.

- Pai? - perguntou ela de forma tão meiga que quase teria sentido pena de sua voz. Mas precisava manter minha postura ríspida de pai, e por isso, fui rápido a falar antes que pudesse ter meus sentimentos corrompidos por sua encenação.

- Você quis fugir de casa mesmo contra todos nós. Você preferiu seguir o canalha que chama de marido, mesmo sabendo que ele lhe batia, não era? Você optou escolher por quem tinha ódio a lhe oferecer, ao invés de quem tinha amor.

Eu senti que já havia feito meu papel de pai passando-lhe um merecido sermão. Depois disso, estaria mais confortável em ouvir seu pranto, como sempre ouvia durante muito tempo. Mas então ela disse "Amo vocês", e desligou. Resolvi aguardar o dia seguinte para que ela aparecesse na porta de casa pedindo desculpas. Mas minha espera passou de semanas e semanas a fio.

Dias atrás,

Encontrei o marginal que namorava minha filha no mercado. Ele estava com outra garota. Quase quis partir seu pescoço ao meio, mas ainda assim, usei de toda minha generosidade e apenas perguntei:

_ Cadê minha filha?

Ele balançou a cabeça, como se não estivesse se lembrando de mim. A garota olhava para ele disconfiada, mas ainda assim não quis dizer nada. Esperou educadamente pela palavra dele.

- Receio que sua filha deva ter lhe abandonado. - respondeu o homem - Mas deve estar bem, nós terminamos o namoro faz pouco tempo, mas ainda assim ela insiste em morar num apartamento do litoral.

Eu até estenderia minha seleção de perguntas, mas então ele puxou um papel com um número de telefone.- Aqui está o número do apartamento dela. - disse ele - Ligue e fale diretamente com ela, porque já concordei que a esqueceria para sempre.

A moça que estava junto dele sorriu, e ambos se beijaram na minha frente e saíram. Sumiram.

Hoje,

Liguei para minha filha várias vezes. E já havia feito a mesma coisa a dias atrás, mas nunca consegui falar com ela. Não existia nenhum apartamento no litoral, nem em lista telefônica alguma. Ainda hoje, sentindo-me culpado por ter sido duro com ela, aguardo sua ligação.

E quando o telefone toca, tem vezes que desejo atender na última esperança de ouvi-la dizer: "Amo vocês". Às vezes caiu em alguma esperança e tirou o telefone do gancho apenas para escutar o tom fino esperando para que eu disque um número. Então, depois vem o silêncio, e mais uma vez eu continuo esperando.

Mas tudo o que encontro, é só uma linha vazia esperando por ser atendida por alguém.

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