segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Lobo Solitário

Me lembro de uma vez, durante a época do colégio, que eu estava sentado sozinho num banco do pátio principal. De certo modo isso era um acontecimento comum, principalmente quando faltava algum professor e as turmas ficavam pelo pátio esperando passar o tempo ocioso. Naturalmente ocorria uma espécie de divisão dentro das turmas, onde podia se ver grupinhos com cerca de 5 a 8 pessoas agrupadas em suas próprias dimensões sociais. Então, havia o grupo predominante masculino, onde a turma dos mais bad-ass e valentes se reunia. Havia também o grupo das meninas estudando a matéria da aula seguinte, e um grupo misto quebrando tabus sexuais em algum jogo do tipo verdade-ou-mentira.

Entre aquelas dimensões sociais, também havia alguns grupos formados exclusivamente por organizadores do caos, planejando astuciosamente algum plano para trollar todos os outros que não estivessem presentes no mesmo grupo. Ah, claro, também havia alguns que não ficavam em grupo algum... er... havia alguns sim, embora não lembre ao certo a descrição de nenhum deles... Pensando bem, não havia. Mas havia alguém que ficava sentado sozinho no banco do pátio acreditando que havia.

Em minha dimensão paralela, não havia planos para dominar o mundo, nem para saber se tinha estudado para a prova da aula seguinte. Não tinha interesse nas brincadeiras constrangedoras, nem conhecia muitos jogos de cartas para gritar "TRUCOO" em alguma partida proibida pelos inspetores. Tudo o que passava pela minha cabeça era... Nada. Era uma mente vazia. Ou talvez, ocupada com reflexões vazias, como essa, por exemplo.

Não tinha relógio para saber se ainda faltava muito tempo para o sinal tocar e aquele mundo vazio sumir. Também não tinha celular para me distrair, como creio eu, quase ninguém tinha naquela época. Vez ou outra eu pensava em pegar meus cadernos e sair desenhando qualquer coisa que viesse pela cabeça. Mas não vinha nada pela cabeça, e mesmo que viesse, eu não iria correr o risco de querer atrair algum curioso de plantão para ver o que eu estava fazendo. Com a mente rodopiando pelo ócio ao meu redor, eu aguardava, pacientemente, cada minuto se condensar em pouco menos de uma hora. Para todos os outros, o invervalo era curto. Para mim, que havia descoberto uma forma inútil de dobrar o tempo, era longo demais.

Certa vez, fui chamado de Lobo Solitário, em algum momento desses que eu realmente dava motivos para ser chamado de Lobo Solitário. Eu não refleti que era um solitário, mas sim que era um lobo. Lobos são animais fantásticos, que são extremamente fiéis dentro de suas matilhas, que conseguem criar estratégias complexas para fazer a melhor caça na noite. Lobos tem uma das estruturas organizacionais mais incríveis que já vi, podendo entre eles definir a ordem certa sobre quem tem mais poder. Lobos são fantásticos. Eu fui chamado de Lobo. Mas esqueci que era Solitário.

Um Lobo Solitário, na natureza, geralmente é aquele que é expulso de sua matilha devido a algum problema sério. Algumas vezes, eles podem ser expulsos por tentarem tomar o posto dos Machos-Alfa e fracassarem piamente. Outras verzes, eles podem ser expulsos simplesmente por serem considerados inúteis para a matilha, ou seja, quando não conseguem cumprir uma das funções que lhe foi delegada pelos seus superiores. Então, eu fui chamado de Lobo Solitário porque não estava em nenhum outro grupo. Mas eu não fui expulso de nenhum deles, ou pelo menos, eu nem se quer tentei entrar em um deles.

A cena clichê de filmes envolvendo lobos diz que eles uivam sozinhos para a lua. De modo compreensível, associam tal imagens aos lobisomens, que tem a parte humana encoberta pela agressividade de um lobo, ao mesmo tempo que, inexplicavelmente, uiva sozinho para a lua. E de modo incompreensível, associam a mesma lua e aquele uivo estridente ao fato de tal criatura ser lunática. Cachorros loucos começam a uivar. Cachorros loucos começam a se transformar em lobos. Conclusão: Lobos são Loucos.

Essa é a parte infeliz da história, porque como eu já disse, as qualidades regentes nos lobos os fazem animais incríveis. E eles não saem por aí uivando sozinhos. Na verdade, o uivo é uma forma de se comunicar com os outros da matilha, de modo a usar o som como fator de localização e cerco entorno de uma vítima. Lobos solitários não uivam, porque eles não querem ser encontrados. Na verdade, eles não podem ser encontrados. Mas, ainda assim, acredito que no fundo eles uivem, sozinhos na noite, olhando para a Lua. No entanto, o uivo de um Lobo Solitário, ninguém pode escutar. Nem ele próprio escuta seu uivo, por mais estridente que seja. E do meio de alguma floresta qualquer, a lua parece ser a única a compartilhar aquela vida lunática que tal animal escolheu recebeu para si.

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