quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Dança de Salão. E então? [5]

Se você entrou nesse post, saiba que ele faz parte de uma saga. É como se fosse uma única história, e essa é a parte 5. Caso tenha paciência, então poderá ir acompanhando aqui os textos anteriores: parte 1, parte 2, parte 3 e parte 4. Caso não tenha paciência, então certamente pode fechar esse post agora. O texto é logo e chato, porque tenta trazer a ideia de que não será uma simples atitude, como no meu caso a dança, que vai mudar o comportamento de alguém. A raiz é fixa e resistente, e ela só modifica com uma série de atitudes, por isso, talvez esse post nem seja sobre a Dança de Salão.

E então?

Então, as aulas aconteciam no ritmo normal, e nada de diferente parecia mover o mundo. Mas houve um porém, que o mundo parecia realmente não se mover, pelo simples fato de que havia acabado toda a energia elétrica do lugar. Daí que sem força, todos ficaram na expectativa de voltar a luz para que se iniciasse a aula. Vinte minutos e o primeiro limite de tolerância de tempo foi atingido. Eu soube disso porque alguém disse que iria embora, e sentindo que aquilo era a chegada de um trem em uma estação, muitos aproveitaram para embarcar nessa viagem.

Mas ainda existia um grupo mais perseverante, que acreditava no milagre divino da companhia elétrica para resolver o problema. Para uma espera mais agradável, quatro alunos sentaram em uma mesa, dessas de bar, que havia em uma lanchonete fora do salão de dança, ao ar livre. Eu me vi sentado ali querendo, na verdade, estar em casa. Inicia-se alguma conversa genérica falando sobre as aulas e a demora para luz voltar, e alguns minutos depois aparecem mais alguns alunos atrasados para compartilhar daquele dia frustrante.

É fácil notar como a conversa foi evoluindo. O assunto genérico levou as pessoas à falarem desde acontecimentos bizarros na noite, riscos casamenteiros e piadas de humor-indefinido. Foi ali que senti a importância de se jogar conversa fora, de um modo como ainda não havia chegado a analisar. Ouvi histórias sobre vergonha alheia, medalhas, sedução insana, crianças malucas... enfim, muita coisa. Mas naquele dia eu não estava tão incomodado com o fato de ser o mesmo lobo solitário de todas as vezes, simplesmente porque eu me sentia incluso no grupo. Mesmo sem dizer uma única palavra, ainda assim acabei me sentindo bem, e imaginando o como seria bom que outras falhas de energia elétrica ocorressem novamente para recriar aquele acontecimento novamente.


Esse #ForeverAlone na vida real existia. Alguém cuja única esperança de interação social estava em uma conversa aleatória da qual não participava e que só aconteceu devido à circunstâncias muito precisas. Alguém que decidiu começar a fazer aulas de dança de salão achando que isso mataria sua timidez, e se viu em um cenário oposto. Era a timidez ganhando mais força, e talvez fosse ela, que no fundo me lhe mataria.

Um besta nocivo


Uma vez eu me fiz a pergunta que todos deveriam fazer periodicamente a si mesmos: "Eu sou alguém nocivo aos outros?". Uma pessoa nociva é aquela que faz mal, que serve como veneno para quem se aproxima dela. E, devido ao meu simples estado besta de ser, será que por algum motivo eu não levava a mesma dose de veneno que havia dentro de mim para os outros?


Com uma boa observação das pessoas ao nosso redor, conseguimos facilmente identificar aquelas que parecerem ser feitas de pedra (indiferentes), de doce (atrativas), de pimenta (requerem cuidado em qualquer aproximação), de jiló (desinteressantes), enfim... Existem pessoas de tantos tipos, que uma das mais perigosas é aquela que contém veneno. Como todo veneno, ninguém pode imaginar que é veneno até que se tenha tomado uma dose dele. Às vezes, uma dose pode ser letal. E é isso que mata, literalmente.


E ali, numa espécie de refluxo cuspido pela minha alma, eu senti o gosto amargo daquilo que me fazia mal de verdade. Senti meu corpo querendo expulsar o câncer de espírito, e cada vez que ocorria uma falha, era como se o castelo de cartas desmoronasse e tudo recomeçasse do zero.


As cartas para se montar um belo castelo não são a cura de nada, mas elas te ajudam na distração para não pensar no problema. E eu percebi que as aulas de dança eram justamente isso. Elas eram a distração de meus problemas, e não a solução. Do contrário, essa saga interminável de posts já teria acabado em duas ou três partes.


Agora veremos o ponto onde quero chegar: Se o corpo tenta expulsar o veneno e a mente impede, sinal que a mente é o problema, porque ela é burra demais. E essa mente besta me tornara nocivo sem saber. Talvez fosse a energia que tornava aqueles ao redor tristes, porque a tristeza é tão contagiante quanto a alegria. Não é a toa que pessoas tímidas, assim como eu, são vistas na maioria das vezes como pessoas mal encaradas, frias ou perigosas. O simples fato de ter uma certa dificuldade de interação faz delas pessoas que expelem um vírus ao invés da cura.


Então como resolver isso? Foi a pergunta que eu fiz. Já que a dança de salão era apenas uma forma de me distrair enquanto o problema não mudava, então porque não desistia dessas aulas? A resposta óbvia, é que todo grão de areia ainda assim é um grão de areia. Ou seja, por menor que fosse o impacto daquilo no quesito de socialização, ainda assim tinha sua parcela impercepitível de ajuda. Resolver esse problema era prioridade, mas ainda assim parecia um mistério sem resposta.

Alavanca

Por incrível que pareça, é agora que o primeiro tópico desse post entra em prática: Pessoas certas, nas ocasiões certas. Essas pessoas, talvez amigos, talvez apenas conhecidos, são como a alavanca para te forçar a realmente a mudar as coisas que parecem impossíveis de serem mudadas por si só. Só para adiantar: conselhos mais atrapalham do que ajudam, e servir de ombro para #mimimi é prejudicial para os dois lados. O que resolve são pessoas que entendem seu problema e te dão um empurrão para fazer aquilo que você precisa fazer.


Mas sabe onde entra a variável dessa história? Ninguém pode esperar que o empurrão venha naturalmente. Se você espera ser empurrado, tudo o que acontece é cair em mais um erro, que é a do comodismo pela segurança inexistente. Ninguém está  aí para segurar na mão de ninguém, e mesmo o seu único cúmplice a ceder confiança, que é você mesmo, é cheio de falhas. Ou seja: "Getting Real".


A alavanca de uma pessoa pode vir de diversos motivos diferentes. Algumas encontram a alavanca em terapias com psicólogos ou psiquiatras, outros encontram com remédios, outros com pessoas certas, outros com acontecimentos inesperados, enfim... Para que uma mudança ocorra de fato, é necessário apenas descobrir onde está essa alavanca. Todos aqueles milhares de livros de auto-ajuda (que para mim nunca ajudam ninguém) deveriam tentar deixar claro somente isso: Se você não tem memória litográfica ou uma disciplina dos monges ninjas da china, então esqueça. A corrente motivacional é uma farsa, ao menos que exista uma alavanca nela.


Só para tentar resumir uma parte da coisa: Ninguém é capaz de mudar porque a consciência sua não exerce poder nenhum sobre você. Parece estranho ouvir ler isso, mas tente descobrir como é a desilusão mais aterradora da vida.


Sua mente inconsciente dá uma leve parcela de seu minúsculo poder quando você acorda pela manhã e tem consciência que já havia dito para si mesmo que iria levantar sem pensar duas vezes. Mas não adianta, algum impulso automático o faz deixar o despertador dar só mais alguns minutos de descanso. Você pode ser consciente demais ao dizer que nunca faria tal coisa, e aí, parecendo um absurdo, você vai lá e faz. Ou seja, tentar colocar ideias na sua cabeça de que você precisa mudar, ou que você fará isso ou aquilo para mudar simplesmente não funcionam. A receita do bolo que muitos procuram não existe. Ou talvez exista, e ela seja isso que proponho de ser a alavanca.


Dizendo tudo isso parece que tenho alguma moral para lidar com afirmações tão perigosas. Parece até que quem me viu ontem e me viu depois desse post vai parar alguns segundos e dizer olhando pra mim: "Cara, é você mesmo?". Mudanças demoram para acontecer, e quanto maior for a quantidade de veneno carregada por si, maior é o tempo para completa purificação. E muitas vezes, a limpeza nem é tão eficaz assim. Ou talvez, como é provável, nunca ocorra. Todos que hoje são de um jeito, amanhã podem ser de outro, ao menos que saibam muito bem para onde a inconsciência acabará levando o rumo de tudo e construindo o destino. Mas quem aqui pode falar de destino? Quem pode prescrever o futuro em sua maestria inventiva?

Convite

As pessoas vão te convidar para participar de algum evento social. Você pode recusar a primeira vez, ou a segunda. Pode até recusar umas três ou quatro vezes, mas depois disso, acaba. Depois disso você é automaticamente excluído dos convites, justamente porque era isso que procurava. Nesse tipo de desilusão comum, o que sobrava era o alimento de apenas mais desilusão.

Eu já estava com um nível elevado de invisibilidade, e conseguia ser ignorado sem o menor esforço. Ao mesmo tempo, sabendo que aquilo era minha fábrica de cada vez mais veneno, então eu precisava reverter a situação, mas não tinha um único ponto de partida. E aí, quase sem querer, eu passei perto de um grupinho que conversava alguma coisa entre eles. Como eu estava indo embora e conhecia todos daquele grupo, consegui ir lá para se despedir deles. E foi aí que o convite foi feito, mas já ignorando minha ida: "A gente estava aqui combinando de ir em um baile no sábado, mas já sabemos que não vai, então nem te chamamos".

Esse tipo de frase é aquela que serve como uma micro-alavanca, porque funciona como um golpe no estômago, dizendo sem rodeios e na sua cara de que você se auto-excluí por idiotice própria. E então, decidido a dar um passo letal de mudança e enfrentar todos os medos e criar um recomeço, eu estufei o peito e disse: "Ah, é."

Não iria dizer nada diferente mesmo,  é óbvio. Só que tentando corrigir a falha, automaticamente emendei minha desculpa padrão: "Eu posso ver isso, mas talvez não consiga ir, porque tenho alguns compromissos". Que compromissos seriam esses, pensava comigo mesmo: "ficar na frente do computador criando textos de #mimimi para esse blog?"

Já sabendo o que deveria fazer, eu resolvi provar a mim mesmo que pelo menos uma vez não deixaria minha inconsciência fazer o que queria. Eu iria ter disciplina o suficiente para enfrentar um medo tolo e seguir em frente. Mas não foi fácil, e duvido que alguém que não tenha esse tipo de problema saiba como é. Cinco minutos depois de colocar uma ideia firme de ir naquele baile, já começaram a aparecer vários pensamentos negativos que meu lado subconsciente estava desesperadamente tentando criar. O coitado gastou toda sua criatividade moldando meu comportamento para que eu desistisse da ideia. E eu desisti.

Mas foi uma desistência rápida, porque eu decidi que não precisava tentar brigar com meus medos estúpidos. Eu podia jogar com eles, e pensei em tentar enganar a mim mesmo com um plano de auto psicologia reversa. Conversa de louco que está dentro de um hospício, eu sei. Pois é, nem todo mundo é capaz de saber o que se passa na cabeça de um louco, então vou explicar como é, simplesmente contando meu plano infalível.

Auto Psicologia Reversa

Racionalizei por alguns minutos: de onde vem o medo e a insegurança? Obviamente vem de experiências negativas, que de certo modo traumatizaram ou obrigaram a mente a desenvolver um sistema de auto proteção complexo para evitar que novas experiências ocorram. Sendo assim, a atitude de uma pessoa não é escolhida apenas por ela, e sim por todos os valores que ela já adquiriu ao longo da vida.

Sabendo disso, então a coragem, que na verdade é a ausência do medo, seria exatamente o contrário; ou seja, experiências positivas que viciam o cérebro e o forçam a repetir essas coisas para que as mesmas aconteçam novamente. A dor serve para que evitemos, e o prazer, para que continuemos. Por isso, se houvesse uma experiência muito boa, ela poderia entrar em choque com uma experiência negativa, e fazer a mesma perder força. Já foi provado que aquilo que nos faz mal é mais difícil de ser ignorado ou removido da cabeça, porque é assim que a natureza nos prepara para a sobrevivência: Um prazer é um prazer, e pronto ele passa; agora um perigo é sempre um perigo, e nunca desaparece enquanto a hostilidade do momento perdurar.

Sendo assim, como eu poderia enfrentar um medo, sendo que eu não teria nada para provar para uma cabeça ignorante de que não estou numa selva ou no período das cavernas, de modo que o isolamento não vai proteger minha sobrevivência, e sim o contrário? Criando um inception em mim mesmo, eu busquei seguir uma estratégia que pudesse cumprir:

Cada vez que surgisse um pensamento negativo, eu automaticamente o bloquearia. E além disso, reforçaria o momento pensando no lado positivo das coisas. Parece aquele papo do the secret (O segredo), e talvez seja. Mas, a idéia aqui não era pedir nada desse universo cansado de tantos pedidos. Era simplesmente ser otimista ao máximo possível, ignorando tudo e qualquer coisa que fosse o contrário disso. Quem sabe assim, fazendo disso um hábito, talvez houvesse uma chance de reverter a situação por completo. Criei um hábito de comportamento consciente que pudesse me ajudar na ilusão de confiança: abrir a postura, manter a cabeça erguida e durante o máximo de tempo possível, não trair a mim mesmo com coisas que não tem fundamento algum.

Não é fácil lidar com isso, porque o processo é muito complexo, mesmo que tudo pareça um absurdo sem fundamento algum. Mas eu sei que existem algumas pessoas que entendem muito bem esse tipo de ação cognitiva que descrevo, então, talvez isso faça mais sentido para elas.

Só para resumir: acreditei que aquele baile seria minha alavanca, pois ele poderia me puxar para uma experiência boa, e dali, bastaria um pouco de disciplina para voltar a como era antes novamente. Ignorando tudo o que eu conhecia, eu segui firme na minha idéia e declarei, finalmente, que iria no baile. "E eu vou mesmo", repeti baixinho para meu lado estúpido, que logo se provaria uma verdade ou uma mentira. Aquele anúncio foi uma surpresa para todos, principalmente para mim mesmo.

Conclusão

O baile aconteceu em um lugar bom e agradável, e a experiência em fim foi positiva do início ao fim, desde o momento em que comecei a bloquear pensamentos negativos e ignorá-los de modo categórico. Agora parece-me mais fácil olhar ao redor e ver respostas das coisas que antes eram apenas um emaranhado de desafios. E aqui entra uma das minhas citações favoritas:

"Se você fica esperando, tudo o que acontece é que você fica velho." - (Larry McMurtry)

Esse post fala principalmente sobre a timidez avançada, mas a idéia de substituição dos pensamentos negativos por positivos é válida para qualquer coisa da vida. E nem pense ou reflita demais sobre tudo o que acontece, porque infelizmente, o poder para se pensar em coisas ruins quando se está sozinho aumenta exponencialmente.

Se quiser acompanhar essa saga desse o ínicio, seguem os posts anteriores:

Dança de Salão! Oh, não! [1] →Porque tive essa idéia?
Dança de Salão? Oh, não! [2] →E a primeira aula?
Dança de Salão. Ou não. [3] →E as mudanças que ocorreram?
Dança de Salão? Eu não! [4] →E se tudo terminasse?

Ou então, esqueça essa saga estranha e experimente ler outra saga mais focada, que diz sobre as escolhas, dúvidas e certezas que ora ou outra podem atravessar nossas vidas.

O Paradoxo da Confiança → Um conto curto sobre a confiança
Você tem Certeza? → Sobre o bem ou mal de se duvidar
Escolhas → E agora o paradoxo das escolhas e certezas
Carma, você tem Karma → Uma reflexão sobre o fantasma do carma.


E se você, por algum acaso do destino leu esse post, deixe um comentário só para dizer o quão louco e irracional parece tudo isso.

2 comentários:

  1. Oi,
    Apesar de já ser antigo esse texto, vou deixar minha opinião aqui. ^^
    Li seu texto todo! Demorou um pouquinho, mas enfim, você escreve bem!
    Interessante como narra e reflete sobre coisas que te afligem.
    Vou tentar escrever também! Certamente é melhor do que ficar reclamando da vida...
    Abraços,
    Menina RS
    Obs.: Faltou uma opção mais positiva nas "Reações".

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  2. Olá Menina RS =D

    Você não faz ideia de como fico feliz quando alguém lê algo aqui. E de fato a intenção principal desse blog é divagar um pouco sobre coisas assim. Ficarei muito honrado se, quando tiver escrito algo, me mandar um link para que eu possa comentar lá também ^^

    Obrigado pelo comentário!

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